Mudanças de direção

Country manager das marcas Peugeot, Citroën e DS, que pertencem ao grupo PSA, Ana Theresa Borsari é única mulher à frente de uma grande empresa de veículos no Brasil

Por Renato Rogenski

Country manager das marcas Peugeot, Citroën e DS, que pertencem ao grupo PSA, Ana Theresa Borsari é única mulher à frente de uma grande empresa de veículos no Brasil. Foi também a primeira figura feminina no mundo a ter o comando da Peugeot em um país, quando foi a responsável pela fusão das marcas Peugeot e Citroën na Eslovênia entre 2011 e 2013. Desde 1995 no grupo, a executiva passou por posições de direção nas áreas de atendimento ao consumidor e CRM, desenvolvimento de rede e marketing, no Brasil e fora dele, incluindo a França. Seu tempo de estrada permite avaliar as principais mudanças do segmento nos últimos anos, incluindo aquelas que estão em curso, impulsionadas, sobretudo, pelos impactos da pandemia. “A transformação no jeito de viver e se movimentar acelerará a inovação no setor automotivo, no média prazo”, analisa.

Meio & Mensagem — Quais são as principais transformações da indústria automotiva desde que você entrou na empresa, em 1995?
Ana Theresa Borsari — A principal foi a chegada do mundo digital, das redes sociais e de toda essa abertura que transformou a forma com a qual os clientes e prospects passaram a interagir com as empresas. Antigamente, você mandava malas diretas, era tudo muito distante. Hoje, as empresas têm a condição de ter uma comunicação online, em tempo real e full time, e essa jornada está cada vez mais digital. E isso transformou não apenas as montadoras, mas as redes de concessionárias, que têm que se adequar ao novo jeito de vender carro. O segundo ponto é a transição energética e a busca por novas tecnologias automotivas que possam proteger o meio ambiente. É um movimento que chegou com muita força ao mercado europeu e também deve acontecer no Brasil nos próximos anos.

M&M — O fato de você ser mulher e a principal executiva de três grandes marcas automotivas no Brasil também é um fator de transformação desse mercado?
Ana — Quando assumi a presidência da empresa na Eslovênia, fui a primeira mulher no mundo a comandar a operação de um país pela marca Peugeot. Na época, era uma coisa mais exótica, e já se falava disso como realmente uma ruptura, quebra de paradigma. Aos poucos, as empresas estão começando a perceber que a diversidade traz resultados, eficiência e rentabilidade. Ela agrega olhares e formas distintas de lidar com os temas dentro das companhias e isso é extremamente positivo. Os líderes passaram a entender que é essencial construir uma empresa plural neste mundo cada vez mais competitivo.

M&M — Acredita que o viés da comunicação do setor também está indo por esse lado de tentar ser mais plural?
Ana — A comunicação cada vez mais precisa ser abrangente e neutra. Acho um pouco piegas dizer que tem a comunicação mais masculina ou mais feminina, e que se o cliente é mulher, tende a olhar para algumas coisas e o homem, para outras. Acredito em um âmbito de sociedade plural, onde cada indivíduo tem seu comportamento, seu viés. Muitas mulheres consumidoras são preocupadas com qualidades técnicas de seus veículos, como a capacitação dos motores, por exemplo. Acho que o olhar que não compreende essa nova dinâmica tende a ficar cada vez mais ultrapassado. O importante é conhecer o target daquele produto e fazer uma comunicação que seja o mais abrangente possível.

“A pandemia acelerará a inovação. Percebo um movimento de consumo totalmente diferente no pós-pandemia, onde as pessoas estão vendo seus automóveis como o seu local de segurança, tranquilidade, um lugar para se sentir bem. E a tendência é de mais clientes procurando por equipamentos de tecnologia e conectividade nos automóveis”

M&M — A pandemia acelerou ou freou a inovação no mercado automotivo?
Ana — A pandemia acelerará a inovação. Percebo um movimento de consumo totalmente diferente no pós-pandemia, onde as pessoas estão vendo seus automóveis como o seu local de segurança, tranquilidade, um lugar para se sentir bem. E a tendência é de mais clientes procurando por equipamentos de tecnologia e conectividade nos automóveis. A transformação no jeito de viver e se movimentar acelerará a inovação no setor automotivo, no médio prazo.

M&M — Mas a pandemia não freará o consumo desses veículos mais equipados também?
Ana — Acho que não. O Brasil está com as taxas de juros mais baixas de sua história. Isso também traz uma acessibilidade aos diversos produtos de financiamento do mercado, e acaba contrabalanceando um pouco a perda real. É claro que em uma crise econômica todo mundo sofre. Mas aquele que tem o seu orçamento e permanece empregado, tem mais condições de encontrar planos de financiamento adequados ao seu próprio orçamento. É difícil saber o que acontecerá pela frente, porque ainda estamos vivenciando a pandemia. Ainda tenho 30% da rede de concessionárias fechadas. Por enquanto, o que percebemos é um perfil de consumidor que está privado neste momento de diversas coisas, mas quer que seu automóvel seja aquele de sua real preferência. Os consumidores estão prestando ainda mais atenção aos bens que estão consumindo. Acho que é uma questão de indulgência.

M&M — Como ressignificar a experiência de compra e potencializar a jornada digital de um produto que sempre teve compra física?
Ana — Já estávamos preparados para essa transformação, com processos de e-commerce totalmente finalizados, mas percebemos um crescimento brutal dessa jornada full digital. Fizemos, em julho, mais de 20% de nossas vendas online. Antes da pandemia, a média era entre 3% e 4%. Existe uma vontade maior do consumidor de passar a fazer suas compras de forma digital e até o test drive típico mudou de configuração, porque o consumidor quer um carro limpo, higienizado, seguro. Lançamos durante a pandemia, por exemplo, o test drive 24 horas. Assim, o consumidor pode levar o produto para casa e experimentar com a família dele, dentro da segurança que ele espera e deseja. Também estamos fazendo lives de vendas para as nossas marcas. As operações promocionais, que antes eram feitas nos estacionamentos dos shoppings, em um formato de feirão, hoje são feitas em lives, dando ao consumidor todas as informações técnicas que ele precisa e as condições promocionais do momento.

M&M — Você protagonizou os últimos comerciais de Peugeot na televisão. O que você pode dizer a respeito da mudança das estratégias de comunicação do mercado automotivo nos últimos anos?
Ana — Antes, a comunicação era focada em destacar features e agora a tendência é a de contar histórias. Porque o consumidor quer se relacionar com a marca e ter uma identificação com os valores que ela promove. Não é apenas comprar pelo produto em si, mas ele quer entender o que aquela marca defende e representa. No caso do automóvel, também tem a questão do pós-venda. Porque o consumidor investe em um produto de alto valor agregado e quer ter a segurança e a certeza de que será bem atendido.

M&M — Qual é a importância da tecnologia e dos dados para que a indústria consiga fazer o mapeamento do consumidor e estabelecer o contato próximo com ele?
Ana — Todas as empresas estão montando os seus programas de relacionamento com os seus clientes para ultrapassar a questão transacional. E é dessa forma que procuramos nos relacionar com os nossos clientes, não apenas para vender um acessório. Queremos que ele se sinta acolhido sobre oportunidades, propostas, dicas e possa usar melhor o seu carro, realizar sua manutenção, entre outras coisas. Vale lembrar que a pandemia serviu para que as pessoas voltassem a privilegiar o seu automóvel. O carro voltou a ser aspiracional.

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