Reaprendendo a aprender

Alexandre Matiolli, diretor de produtos de educação básica e ensino superior da Pearson, contextualiza as mudanças de hábitos de aprendizagem e ensino, a tendência da “educação self-service” e a emergência de players não tradicionais no segmento

Karina Balan Julio

O processo de aprendizagem é feito de tentativa e erro. No contexto da pandemia, o caminho para o segmento de educação também passa por eles na adaptação ao ensino remoto. Diante da digitalização radical do ensino e do cenário econômico, permeado pelo desemprego, alunos, pais, professores e profissionais questionam o futuro de suas formações e de seus filhos, suas carreiras e currículos. Por outro lado, cresce a oferta de conteúdo educacional acessível e personalizada. A Pearson, multinacional inglesa que fornece conteúdo e serviços digitais a empresas, governos e escolas em mais de 70 países, dona de marcas como Wizard, COC e Yázigi, se dedica a pesquisas e a criação de metodologias híbridas para o futuro da educação. Alexandre Matiolli, diretor de produtos de educação básica e ensino superior da Pearson, contextualiza as mudanças de hábitos de aprendizagem e ensino, a tendência da “educação self-service” e a emergência de players não tradicionais no segmento.

Meio & Mensagem — Do ponto de vista de educadores e alunos, quais são os maiores desafios da ampla digitalização do ensino causada pela pandemia?
Alexandre Matiolli — A tendência do uso do ambiente online para educação existe há anos, mais foi agudizada pelo momento que vivemos. Os cursos a distância e a formação mais tecnológica já eram uma realidade principalmente para o ensino superior, enquanto a educação básica é onde vemos as principais mudanças. A digitalização passou a ser não só desejável, mas uma necessidade. Porém, vemos que existe um desafio duplo. Um deles é trabalhar a formação dos professores, porque nenhum curso de licenciatura prepara o professor para montar vídeoaulas, por exemplo. Não havia muita literatura e pesquisa para apoiar o trabalho totalmente remoto, então eles precisam desenvolver novas habilidades. A pandemia está trazendo um processo de tentativa e erro, de melhoria contínua. Do ponto de vista dos alunos, é preciso trabalhar o letramento digital para que consigam tirar o melhor das ferramentas digitais. É fato que muitas das mídias que estão sendo usadas para educação já faziam parte do cotidiano deles, mas não para a educação, e é difícil fazer o processo de estudo apenas com conteúdo online. As instituições que já ofereciam ensino híbrido sentiram menos impacto. Porém, um dos maiores desafios do setor nos tempos atuais tem a ver com a educação básica e infantil, que exigem mediação dos pais, dosagem do tempo de exposição às telas e um componente lúdico. São etapas de letramento e alfabetização muito importantes e que estão sendo alteradas radicalmente.

M&M — A pesquisa Global Learner Survey, da Pearson, destaca o crescimento do aprendizado “self-service”. O que define esse modelo?
Matiolli — Estamos vendo a modificação do entendimento sobre o mundo do trabalho e o ciclo de aprendizagem. Para as gerações mais velhas, era comum pensar que as pessoas teriam o momento para estudar enquanto crianças, adolescentes e jovens adultos, e depois parariam de estudar, passando a dosar o trabalho até a aposentadoria. Este ciclo bem definido não existe mais, porque as pessoas estão ativas por mais tempo, a população está envelhecendo e há sempre algo a ser aprendido, seja uma nova ferramenta ou habilidade. As pessoas tendem a desenvolver várias carreiras ao longo da vida, começando em uma carreira e terminando em outra que nem existia quando ela começou. Isso muda a percepção sobre educação. Todo mundo já entende que precisar se manter estudante por toda a vida e buscar cursos sobre conhecimentos específicos para atender às suas necessidades. O currículo acadêmico das pessoas antes era praticamente imutável, e agora se tornou algo mais fluido, onde as pessoas vão escolhendo o que precisam aprender e fazendo formações mais curtas.

“É importante ter um alicerce de tecnologia, mas ela é só um meio para continuar olhando para o que realmente importa. Vemos a tecnologia como um meio, e não um fim”

M&M — Como vê o desafio para a adaptação de players tradicionais de educação, considerando novas metodologias de ensino, tecnologias de aprendizagem? E como encaram esse desafio na Pearson?
Matiolli — O ensino híbrido é algo que faz parte dos nossos produtos e da nossa mentalidade. Acreditamos na combinação de diferentes metodologias, com o protagonismo do aluno. Ele pode usar o material impresso e digital, fazer aula presencial e digital, síncrona ou assíncrona ao mesmo tempo. Seja para um curso de idiomas, na educação básica ou na superior, acreditamos que a instituição pode personalizar currículos para cursos e para alunos. Um exemplo no qual temos trabalhado é uma proposta de biblioteca digital, que funciona mais como um serviço do que como um produto. É um modelo de assinatura para escolas onde os alunos podem acessar o que quiserem, quando quiserem. É uma ideia que reforça que é importante ter um alicerce de tecnologia, mas que ela é só um meio para continuar olhando para o que realmente importa. Vemos a tecnologia como um meio, e não um fim.

M&M — O Brasil ainda enfrenta diversas barreiras de acesso à internet de qualidade e tecnologias aplicadas na educação remota e híbrida. Como vê a questão da inclusão digital para países emergentes?
Matiolli — Existe uma questão global a ser resolvida nesse sentido, não apenas no Brasil, mas em países como China, África do Sul e Índia, onde há desafios de acesso à banda larga e dispositivos para consumo de conteúdo educacional. No Brasil, boa parte do acesso à internet acontece pelos smartphones, onde a maior parte da população tem acesso a um pacote pré-determinado e finito de dados, e por isso não podem consumir muitas horas de vídeo, por exemplo. Há soluções interessantes em teste, como no estado do Amazonas, onde o governo estadual têm utilizado o sinal da TV aberta para veicular aulas, com uma tecnologia barata e até considerada ultrapassada. É debatível a questão da interação com o professor e da interatividade, mas é uma maneira de tentar ampliar o acesso. Esse desafio da inclusão digital também precisa levar em conta a acessibilidade e igualdade, pois os alunos vivem em diferentes contextos e têm diferentes necessidades. O Brasil tem um caminho longo a percorrer, mas, enquanto Pearson, nos esforçamos para fazer com que os conteúdos sejam acessíveis em qualquer dispositivo e para diferentes faixas de banda. Em algumas de nossas soluções, por exemplo, o aluno não precisa baixar o conteúdo e consegue acessar tudo mesmo sem acesso à internet e com pouco espaço de armazenamento no celular.

M&M — Diversas empresas de outros segmentos estão lançando produtos de educação. Qual é a sua avaliação desse movimento?
Matiolli — O mercado está respondendo a uma demanda, porque existe muito dinheiro no setor de educação. É algo em que as pessoas estão dispostas a investir, visto como prioridade para muitas famílias. Também é um setor não consolidado, o que permite que haja espaço para que diversas novas instituições possam se lançar. A ideia de um ecossistema com diversos players oferecendo serviços de educação complementares e diferentes parece interessante, mas, ao mesmo tempo, boa parte dos maiores players consolidados já pensa em suas soluções como ecossistemas. Muitas novas iniciativas de educação trazem boas respostas para os problemas das pessoas, e estas devem se consolidar e se manter. Por outro lado, há muitas pessoas e empresas de outros segmentos tentando entrar no setor sem necessariamente ter o background e dialogar com a comunidade de professores e alunos. São iniciativas que aparecem, ganham um certo vulto, mas que não têm educação como core real. Talvez daqui a dez anos tenhamos um mercado mais consolidado, mas temos que esperar para ver o quão fácil será lançar novos produtos, ou até que ponto o mercado ficará na mão das empresas que já têm mais tradição.

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