Transformação digital pauta Grupo Natura & Co e L’Oréal

Erasmo Toledo, vice-presidente de negócios do Grupo Natura & Co no Brasil, e Patricia Borges, CMO da L’Oréal, falam sobre inovações no setor de higiene e beleza

Por Roseani Rocha

Ao concluir, em janeiro do ano passado, a aquisição da Avon Products Inc, a Natura, que à época tinha valor de mercado estimado em R$ 33,5 bilhões e, anteriormente, já havia comprado a australiana Aesop e a inglesa The Body Shop, se tornou a quarta maior empresa de beleza do mundo — e, com isso, consolidou também sua liderança no mercado brasileiro. Se o assunto transformação digital já era pauta da agenda da Natura há alguns anos, agora se expande para o Grupo Natura & Co, inclusive pela possibilidade de explorar sinergias. Erasmo Toledo, vice-presidente de negócios Brasil, analisa os desdobramentos que o tema vem tendo especificamente para a marca-mãe da multinacional brasileira de beleza.

Meio & Mensagem — A parte mais visível — ou divulgada — da transformação digital da Natura é a relação com as consultoras. Considerando que vendas digitais como um todo cresceram durante esta pandemia, qual foi o impacto nessa frente, os resultados nos primeiros meses de pandemia e aprendizados que nortearão os próximos passos?
Erasmo Toledo — Colhemos muitos aprendizados ao longo desses meses de pandemia. Inicialmente, a cada semana, tínhamos que lidar com um cenário diferente. Por isso, as tomadas de decisão e os posicionamentos adotados pela empresa foram baseados em suas crenças. Decidimos nos organizar em três pilares de atuação: barrar o contágio, cuidar das pessoas e manter a economia circulando. Como sabemos que há muita gente que vive da venda direta, buscamos soluções no digital para continuar movimentando o negócio sem colocar em risco a saúde das pessoas. Para isso, aceleramos ferramentas digitais, disponibilizamos mais treinamentos online, equiparamos a comissão para vendas online com a presencial, entre outras ações. A resposta foi animadora, pois nos meses de maio e junho observamos números muito positivos que comprovam que nossa aposta no digital foi decisiva.

M&M — O que ainda pode ser melhorado nessa relação e para incluir consultoras com menos repertório tecnológico?
Erasmo — Percebemos que quanto mais caminhamos, novas perspectivas se abrem para otimização de processos e fluxos. As possibilidades são infinitas. Consultores sempre trabalharam em rede, de forma dinâmica, e isso está sendo fortalecido graças aos esforços de digitalização da venda por relações. Mais do que nunca, soluções digitais entrarão na tomada de decisão do negócio. A Natura tem registrado preferência de marca e participação de mercado apesar do cenário bastante desafiador trazido pela pandemia. A aposta em inovação digital para maior engajamento da rede, sem dúvida, contribuiu para esses resultados animadores, como um aumento de 7,9% na receita no segundo trimestre de 2020.

“Nossas soluções são complementares ao relacionamento interpessoal, não buscamos automatizar as relações, pois o elemento humano é fundamental e não pode ser perdido”

M&M — Que outras frentes do negócio têm recebido investimentos mais consideráveis em transformação digital?
Erasmo — A Natura é um exemplo da resiliência da venda direta, especialmente pelo uso personalizado e assertivo de soluções digitais. Uma ferramenta muito acessada, da plataforma de consultoria, é Minha Divulgação. Por ela, peças promocionais podem ser personalizadas com produtos e informações de contato da consultora e as imagens, divulgadas pelas redes sociais. Recentemente, a Natura também lançou a revista interativa pela qual o cliente pode selecionar os produtos diretamente nas imagens do portfólio. O pedido pode ser finalizado pela própria consultora ou consumidor. Portanto, ao colocar a consultora no centro dos mecanismos de comunicação com o consumidor final, ampliamos a relevância.

M&M — Como funciona a relação do marketing com a transformação digital?
Erasmo — Nossas campanhas durante a pandemia se mostraram muito inovadoras por usarem recursos digitais. A campanha de Dia das Mães, por exemplo, foi inspirada na vontade de valorizar a força e resiliência das mães que são exemplos, mesmo diante de desafios do distanciamento social. Foi uma das primeiras produções feitas com a gravação dos próprios participantes a partir de suas casas e, depois, foi integrado um lindo filme capaz de demonstrar que podemos nos manter próximos e unidos, mesmo diante de uma situação de quarentena.

M&M — A digitalização da mídia parece ter libertado um pouco as marcas de um meio bem caro, que era a TV, mas agora também se vê que nem tudo são flores, haja vista o boicote ao Facebook e Twitter. Como analisa esse cenário?
Erasmo — Acreditamos que são urgentes os movimentos que pedem o bloqueio de discursos de ódio e fake news em redes sociais. Como uma empresa que acredita no diálogo, a Natura está em contato direto com essas plataformas propondo, discutindo e cobrando medidas concretas que ponham fim a conteúdos que promovam qualquer tipo de violência ou intolerância.

M&M — A Natura estava fazendo seu projeto de lojas físicas e omnicanalidade ganhar corpo e a pandemia afetou severamente o varejo físico. Qual é o tamanho do estrago para o andamento desse projeto e o que tem buscado fazer nesse início de flexibilização, inclusive com apoio da tecnologia?
Erasmo — Dadas as circunstâncias, conseguimos nos tornar verdadeiramente omnichannel em curto espaço de tempo e nossos esforços para acelerar a transformação digital nos permitiram compensar, em grande parte, o fechamento de lojas e assegurar a continuidade do negócio. A força do modelo digital de vendas por relações foi comprovada graças à jornada de digitalização. Orientamos as empresárias de beleza, que administram as franquias Aqui Tem Natura, a cumprir com os eventuais decretos de fechamento do comércio impostos pelas autoridades de suas cidades e estados e a adotar todas as medidas de higienização necessárias. Para assegurar a continuidade dos negócios, as franquias também puderam abrir seus espaços de venda online.

M&M — Inovação aberta é algo que a Natura explora bastante. Qual é a relevância e as vantagens desse modelo?
Erasmo — A Natura atua no modelo de inovação aberta e colaborativa há mais de 20 anos por acreditar na colaboração das redes como estratégia de viabilização de inovações disruptivas e geração de resultados para o negócio. Em busca do aumento do impacto e maximização do esforço de inovação aberta, as parcerias estão se tornando mais amplas, incluindo uma série cada vez maior de atores, como startups. A parceria com startups em diversas áreas da empresa tem o intuito de acelerar a inovação ao se tornar uma alavanca importante no nosso processo de transformação organizacional e cultura. Neste contexto de pandemia, por exemplo, startups têm nos apoiado ao atender a rede de consultoras e líderes por telemedicina, mas também prestado serviço para oferecer melhores experiências em vendas digitais e medir a experiência do colaborador em home office.

M&M — No relatório de 2019, divulgado recentemente, a Natura & Co afirma ter 18 mil colaboradores na América Latina e o trabalho é outra área, ainda mais depois da pandemia, influenciada pela transformação digital. Quais têm sido as maiores mudanças nesse sentido?
Erasmo — Já tínhamos a política de home office para colaboradores do administrativo. Mas ainda temos aprendido muito a cada etapa deste período, pois a pandemia acelerou processos. Passar por meses de isolamento social teria sido impossível sem tanta tecnologia que facilmente propicia fluxos, reuniões e tomadas de decisão de maneira virtual. Olhando por esse ângulo, estamos mais bem preparados do que estaríamos 20 anos atrás.

M&M — O que deve ser ponto de atenção nessa exaltação toda da transformação digital, de modo que as empresas não se fechem numa bolha e se distanciem de aspectos reais e físicos da vida cotidiana da maioria dos brasileiros, que já estão, por exemplo, enfrentando consequências severas da crise econômica?
Erasmo — É importante sempre mantermos em mente que a jornada da digitalização é muito mais ampla do que uma relação comercial online. É importante sempre lembrar que o digital não é um fim, mas um meio. Nossas soluções são complementares ao relacionamento interpessoal, não buscamos automatizar as relações, pois o elemento humano é fundamental e não pode ser perdido.

Rumo à beauty tech

Por Amanda Schnaider

Transformação digital sempre foi um pilar fundamental para a L’Oréal, maior fabricante mundial de cosméticos em vendas, e a pandemia impulsionou esse processo. Com lojas fechadas, ferramentas digitais como testes virtuais de maquiagem e tintura de cabelo, e consultas de beleza personalizadas em conversas por vídeo se tornaram essenciais. No primeiro trimestre, as vendas online cresceram 53% em comparação com o mesmo período do ano passado. Cerca de 20% da receita vêm do e-commerce de marcas próprias ou marketplaces como Amazon e Walmart. Patricia Borges, CMO da L’Oréal, diz que o objetivo do grupo é ser tornar a maior beauty tech do mundo e ter 30% das vendas realizadas no digital.

Meio & Mensagem — De que forma a L’Oréal trata a transformação digital?
Patricia Borges — A empresa tem mais de cem anos em beleza e sempre se viu como um prior player de beleza. De alguns anos para cá, desenvolvemos uma estratégia global de sermos também a maior beauty tech do mundo. Com o avanço de healthtech, fintech e tudo que surge nesse ecossistema de startups, a L’Oréal tem assa ambição. Essa já era a a estratégia, muito antes de pandemia. Há alguns anos trabalhamos com isso e temos mudado a relação com consumidor, mídia, marketing e lançamento de produtos. A estratégia e os planos se mantiveram porque a digitalização e a transformação digital já eram prioritárias. O que aconteceu é que super aceleramos. Primeiro, na questão de informação de consumidor, temos obsessão em ser uma data driven company, com base em dados que são majoritariamente provenientes do ambiente digital, em real time. Conseguimos monitorar a performance dos produtos, campanhas, da comunicação em tempo real e usar todos esses dados para gerar a tomada de decisão estratégica do negócio. Outro pilar é o desenvolvimento do e-commerce, que já vinha sendo um dos canais mais fortes em crescimento, e era desde o ano passado o grande foco estratégico. Temos uma visão de ter 30% das vendas provenientes deste canal. Isso é bastante representativo e muito em linha com essa estratégia. E, para que tudo isso aconteça, muda toda a estratégia de mídia. Existem dois tipos de mídia, a de awareness, que é a mídia para o consumidor conhecer o produto, e a de performance, que consigo monitorar a conversão e compra.

M&M — Quais foram os principais investimentos em termos de vendas online?
Patricia — No início da pandemia e crise, reorganizamos os investimentos de mídia e comunicação, migrando do off-line para o online. Sabemos que beleza é resiliente e que é muito relevante para as consumidoras. Não deixamos de comunicar, só fizemos a mudança estratégica, justamente para suportar o crescimento do e-commerce, para que pudéssemos direcionar o tráfego. Organizamos o e-commerce em três grupos. O primeiro é o direct-to-consumer, que são as lojas próprias, as e-boutiques, onde temos capacidade de personalização e relação direta com o consumidor, mas ainda com pouco tráfego. Aumentamos muito o investimento para garantir que as pessoas teriam acesso a essas lojas. Um segundo grupo super importante são os marketplaces. No Brasil, 70% do tráfego do e-commerce estão nos marketplaces, como Mercado Livre, Americanas, Magalu, Amazon etc., mas ainda não são um destino de beleza. Nos sentamos com esses parceiros e trabalhamos planos customizados, com investimentos direcionados, para que os marketplaces possam se firmar como um destino para beleza. O terceiro grupo estratégico são os canais que durante a pandemia explodiram, que não tinham e-commerce muito estruturado, mas que viram explodirem, como os supermercados e farmácias. Nos sentamos com os principais clientes de farmácia, de supermercado, para ajudá-los a acelerar e desenvolver seus canais de e-commerce.

“O processo de inovação é alimentado por informação em tempo real. Monitoramos o tempo todo o que as pessoas falam em mídias digitais sobre cabelo, maquiagem e pele, e vamos entendendo onde estão as oportunidades de inovação”

M&M — Qual tem sido o impacto do cenário no processo de pesquisa, desenvolvimento e lançamento de produtos da empresa?
Patricia — Somos uma empresa fundamentada em inovação. Tudo que tange inovação é o centro de estratégia. E, quando se fala em digitalização e inovação em lançamento de produtos, duas frentes são super importantes. A primeira é como desenvolvemos os produtos. Há muitos anos, tínhamos uma equipe de desenvolvimento e pesquisa, que desenvolvia uma molécula ou algum ingrediente relevante, depois desenvolvia o produto e íamos entender como comunicar para o consumidor. De alguns anos para cá, com o avanço da digitalização, fazemos o contrário. Entendemos o que o consumidor quer, o que é relevante, e desenvolvemos alguma coisa que venha a atender essa necessidade. O processo de inovação mudou, é alimentado por informação em tempo real. Monitoramos o tempo todo o que as pessoas falam em mídias digitais sobre cabelo, maquiagem e pele, e vamos entendendo onde estão as oportunidades de inovação. Tem outra parte que é o boosty de tecnologia que temos no próprio desenvolvimento dos produtos, na maneira de testar. Todo esse processo digital nos permite ser mais ágil, ter informação mais eficiente, que faz com que os lançamentos e o processo de inovação sejam muito mais rápidos. Tem um terceiro ponto que não é diretamente ligado a lançamento de produto, mas que é tão importante quanto para a L’Oréal, que chamamos de produtos digitais ou serviços. São aplicativos e tecnologias que desenvolvemos ou em parceria com startups. São tecnologias que permitem que o consumidor tenha uma relação com a beleza mais profunda e intensa, como os virtual try-ons, onde a mulher pode testar uma coloração de cabelo, sem antes comprar efetivamente o produto.

M&M — Como tem sido a relação da L’Oréal com o universo de startups?
Patricia — Temos parcerias muito estratégicas com duas das maiores incubadoras de startups do Brasil: Cubo, em São Paulo, e Fábrica de Startups, no Rio de Janeiro, onde desenvolvemos, com todo esse ecossistema, soluções e tecnologias para a indústria da beleza. Temos essa retroalimentação em 360° para que possamos tanto desenvolver internamente e alimentar o mercado, quanto ser um fomentador desse tipo de pensamento para a indústria de beleza, com startups, empresas menores e empreendedores, para que possamos impulsionar o mercado. Trabalhamos, desenvolvemos, temos encontros com essas startups. Compartilhamos quais são os desafios de negócio, onde precisaríamos ser mais ágeis, dinâmicos, eficientes, ou encontrar uma tecnologia que até então não temos. Eles voltam a nós, trazem alguma coisa que às vezes não conseguimos ver e trabalhamos nesse tipo de parceria para que possamos desenvolver internamente. Nesse sentido, o céu é o limite.

M&M — Até mesmo antes da pandemia, já se via no setor de beleza a busca por oferecer serviços digitais. Quais são os principais avanços nesta frente?
Patricia — A grande questão é que o digital nos permite personalização. Temos dois caminhos: comunicar diretamente para a pessoa certa a mensagem certa, no momento certo. Você dificilmente receberá nas suas redes sociais, feed ou quando estiver navegando uma comunicação falando de cabelos platinados, porque não é o que você está procurando. Começamos a entender mais a jornada de cada consumidor, de forma individualizada, para que possamos dedicar comunicação direcionada. Queremos que a comunicação da L’Oréal seja relevante para cada um que receba. O primeiro passo na personalização, onde o digital nos ajuda muito, é garantir a mensagem certa, para a pessoa certa, na hora certa. E o segundo, e ainda mais importante, é a questão do produto adequado. A L’Oréal lançou há pouco um produto chamado Pers. O consumidor pode personalizar sua base de maquiagem ou produto de face care, em qualquer lugar, de qualquer jeito. O gadget escaneará seu rosto com base nas suas características faciais, tom de pele, poros, idade, nas suas características únicas, desenvolverá a base certa para você, o protetor solar certo, o anti-idade certo. Acreditamos nesse nível de personalização e que é assim que que beleza se desenvolverá no futuro.

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