Regulamentação versus evolução

Dustin Pozzetti, sócio-líder de tecnologia, mídia e telecomunicações da KPMG, analisa como o governo e as teles devem lidar com esses fatores que desenharão, mais uma vez, a telefonia no País

Por: Sérgio Damasceno 

Consolidação do setor, com a eventual aquisição da Oi pela Claro, TIM e Vivo; produção de conteúdo pelas próprias operadoras, com a entrada da AT&T via controle da Sky Brasil e de canais como Warner Channel, Cartoon Network, TNT e HBO; e o futuro leilão da quinta geração (5G) de telefonia móvel são eventos que movimentam, neste momento, este importante segmento da economia. As operadoras investiram coletivamente R$ 33 bilhões em infraestrutura no ano passado e registraram faturamento bruto superior a R$ 240 bilhões e dependem de regulamentação moderna que acompanhe a evolução das redes e de serviços, como produção de conteúdo. Dustin Pozzetti, sócio-líder de tecnologia, mídia e telecomunicações da KPMG, analisa como o governo e as teles devem lidar com esses fatores que desenharão, mais uma vez, a telefonia no País.

Meio & Mensagem — As teles investiram R$ 33 bilhões no ano passado conforme dados do Sinditelebrasil, que reúne as principais operadoras. E a receita bruta do setor somou R$ 243,7 bilhões, ou 3,6% do PIB. Dada a importância do segmento, como você avalia o atual cenário ante a macroeconomia que, no contexto da pandemia, tem prejudicado diversos ramos da atividade econômica?
Dustin Pozzetti — O principal investimento do setor está em sustentar o crescimento da banda larga em função da demanda crescente de uso da internet, utilizando as tecnologias fixa ou móvel. Durante a pandemia, as pessoas criaram mais confiança para utilizar os serviços digitais e isso ajuda a impulsionar a banda larga. Por outro lado, existe uma barreira de acesso pois o preço final, que inclui impostos, ainda é o principal motivo da barreira para digitalização. Estudos conduzidos pelo Banco Mundial mostram que 10% de aumento na penetração da banda larga fixa podem gerar um crescimento de até 1,38% no PIB de países em desenvolvimento. Fica bastante evidente o potencial de crescimento econômico ao impulsionar os componentes de tecnologia e telecomunicações.

M&M — As telecomunicações, desde a privatização em 1998, evoluem num processo contínuo de consolidação. No ano passado, a Claro adquiriu a Nextel e, em, ainda em 2015, a Telefônica/Vivo comprou a GVT. Essas foram as duas grandes aquisições do setor. Agora, TIM, Vivo e Claro estão num processo de oferta pelas redes da Oi, calculado em R$ 16,5 bilhões. Essas teles deverão fatiar redes e clientes da Oi entre si. De forma geral, quais são as implicações de consolidação do setor?
Pozzetti — Consolidação é uma tendência no setor e vem sendo debatida globalmente, na maioria dos países o número de operadoras móveis está próximo a três. Na Ásia, por exemplo, esse número é ainda menor. Isso ocorre, pois, investimentos são críticos para a sobrevivência dos negócios e inovação dos serviços especialmente diante do contexto do 5G que irá abrir uma perspectiva incrível de serviços digitais para a sociedade.

M&M — Como os profissionais podem se estruturar em casa neste momento em que chamadas de vídeo, troca intensa de arquivos e a qualidade da conectividade são diretamente responsáveis pela produtividade?
Pozzetti — Acredito ser importante ter um plano otimizado ao uso individual ou familiar. Criar regras de uso e compartilhamento da banda larga é algo simples e eficiente. No caso de utilizações críticas, é apropriado ter um segundo acesso disponível que pode ser a banda larga em um plano pré-pago, por exemplo.

“A regulação do setor não tem acompanhado a evolução da tecnologia e inovação, o que pode gerar efeitos de desequilíbrio no ambiente regulatório do setor resultando em excesso de regulamentação em determinados serviços e ausência em outros. Há uma pressão crescente e é necessária alguma revisão e direcionamento”

M&M — No caso da própria migração de tele convencional para um modelo tech, baseado em nativos digitais como Google e Facebook, qual é sua avaliação de como está a estratégia das operadoras neste sentido? Algumas, inclusive, chegaram a fazer campanha deste eventual processo de se tornar uma tech company.
Pozzetti — As operadoras possuem planos sólidos de virtualização e para se tornarem cada vez mais ágeis. No entanto, nunca serão nativas digitais. Haverá, certamente, alguma convergência no futuro, pois o tráfego de dados será incrível e análises estruturadas somente poderão ser feitas com alto poder computacional e uso de inteligência artificial.

M&M — Na Europa e EUA, as operadoras entram forte na produção de conteúdo. No Brasil, a legislação não permite que isso aconteça, mas é possível distribuir o conteúdo por meios próprios, como já ocorre com quase todas as teles. Sob o aspecto regulatório, você vê alguma evolução neste sentido, principalmente com a operação de fusão entre AT&T (proprietária da Sky Brasil) e WarnerMedia (dona dos canais Warner Channel, Cartoon Network, TNT e HBO)?
Pozzetti — A regulação do setor não tem acompanhado a evolução da tecnologia e inovação, o que pode gerar efeitos de desequilíbrio no ambiente regulatório do setor resultando em excesso de regulamentação em determinados serviços e ausência em outros. Creio que a Anatel está atenta e trabalhando para encontrar alternativas, porém, ainda muito presa ao modelo de concessão em um complexo momento de revisão do modelo. Existe uma pressão crescente e conforme o tempo passa essa situação fica cada vez mais insustentável, sendo necessária alguma revisão e direcionamento.

M&M — Aplicativos como Netflix, WhatsApp e outros que demandam consumo alto de banda trafegam sobre as redes das operadoras sem remunerá-las. Como está esse debate no Brasil e no mundo?
Pozzetti — Esse é um debate antigo que ocorre em diversos países e que, de alguma forma, vem sendo superado. Hoje, vemos operadoras fazendo acordos com empresas de soluções OTT (over the top) para crescer ou fidelizar sua base de assinantes. Me parece que as redes ganham gradativamente mais neutralidade com relação ao tráfego e uma perspectiva democrática que, em um mundo 5G, passe por uma nova transformação.

M&M — É quase certo que o leilão das frequências 5G aconteça somente em meados do ano que vem. Quais são suas perspectivas sobre isso e quais são os avanços esperados com esse padrão para o Brasil?
Pozzetti — A melhor previsão é que o leilão aconteça ao final do 1º semestre de 2021. Detalhes importantes estão em discussão e podem ser críticos para o futuro de uma sociedade brasileira mais digital, como, por exemplo, o viés arrecadatório, capaz de determinar a velocidade com que a tecnologia vire realidade. Acredito que o 5G será peça crítica em uma estratégia nacional de desenvolvimento econômico, maior produtividade e aumento da qualidade de vida para a sociedade. O maior interesse deveria vir do governo federal, já que o próprio governo seria um dos casos de uso onde são aferidos os maiores benefícios com uso de 5G, segundo experiências globais de projetos implementados como na Coreia do Sul e Japão.

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