High-low alimentar

Mesclando historicamente em sua alimentação itens de indulgência a outros mais saudáveis, reforço dos brasileiros nesta última frente tem guiado transformação da indústria

Por Amanda Schnaider e Roseani Rocha

Com o avanço da vacinação e a flexibilização do funcionamento de bares e restaurantes, a expectativa é a de que a socialização em torno de uma mesa — seja ela refinada ou popular — volte a ser mais frequente nos próximos meses. Espera-se, também, que a retomada da atividade econômica ajude a minimizar problemas indigestos como o desemprego e a taxa de pessoas em insegurança alimentar, que cresceu no País. De toda forma, o mercado de alimentos e bebidas é dos mais fortes, representando 10,6% do PIB, em 2020, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e do Banco Central. Já as exportações para 190 países movimentaram US$ 38,2 bilhões, sendo os principais compradores a Ásia (45,7%), Países Árabes (16,2%) e a União Europeia (13,8%). A Abia ainda cita estimativa da ONU de que até 2050 a população global será de 9,8 bilhões de pessoas, para dar a sua de que para ajudar a alimentar essa multidão, o Brasil deverá aumentar em 40% a produção de alimentos.

Mas o futuro dessa indústria também passa por discussões sobre os recursos naturais que demanda e seu impacto sobre a sustentabilidade ambiental do planeta, o que vem fomentando mudanças entre players tradicionais e o surgimento de novas soluções tecnológicas e tendências de produção e consumo. No Brasil, durante a pandemia, duas correntes andaram paralelamente: o aumento do consumo de ultraprocessados e itens de indulgência e o de alimentos considerados mais saudáveis, inclusive por preocupações com a saúde. O que se desenha para o futuro, de acordo com os entrevistados neste especial, não parece ser uma queda de braço entre essas duas correntes, mas a convivência entre elas, com o fortalecimento da segunda por questões como a citada preocupação com sustentabilidade e a elevação da consciência sobre origem e qualidade daquilo que se come ou bebe.

Gigantes em mutação

Duas das maiores empresas alimentícias do País, a BRF (de Sadia, Perdigão e Qualy) e Seara (da JBS) têm se adaptado às novas demandas. A BRF anunciou o P30, sua visão do mundo dos alimentos e do seu papel como player importante do segmento, ao longo da próxima década. “Esse plano captou em parte muito do que já estávamos experienciando das transformações que a pandemia nos trazia e afetaram nossos planos, até uma visão de longo prazo”, pontua Marcelo Suárez, diretor de marketing da BRF.

Embora a pandemia tenha acelerado a demanda “saudabilidade”, não significa, lembra Marcelo, que uma mesma pessoa deixe de se permitir uma “indulgência” ou procure “praticidade”. Essas três tendências aceleraram a inovação. Em 2018, foram lançados 35 produtos, em 2019, 62 e, em 2020, 137 — a Seara também está na faixa dos 100 lançamentos por ano.

O P30 também tem ambição de romper um faturamento de R$ 100 bilhões, ou seja, triplicar o tamanho da empresa. Para isso, a BRF tem consolidado uma agenda de compromissos de ESG, e feito grandes apostas, como escalar a oferta de pratos prontos, além de promover a proteína suína, cujo consumo é considerado baixo no País, mas tem atributos como ser mais saborosa e saudável que a carne vermelha. “A inovação terá uma representatividade ainda maior. Hoje, 7% do nosso faturamento já vem de inovação e tem potencial de nos próximos anos, passar a 10%”, diz Suárez.

Ele explica que transformação digital é vista de duas formas na BRF: go digital e be digital. A primeira relativa às novas formas de fazer uma oferta ao consumidor, em conteúdo ou transação — como o Mercato em Casa, delivery lançado na pandemia, ou o Mercato Sadia, projeto de loja física cuja proposta, esclarece, é diferente da explorada pela JBS, com Swift. Enquanto esta última ampliou o número de lojas, o projeto da Sadia é mais um laboratório que permita à marca testar novos produtos e conceitos e ter um contato mais direto com os consumidores, acelerando a inovação. Já o “be digital” é tudo de transformacional que possa ser revisto, como modelos, processos e gestão.

Na comunicação, essa transformação digital tem significado liberdade de linguagem de marca maior, dependendo do público a que se destina, o que estabelece tetos de orçamento diferentes e exige dos times de marketing novas capacitações — a BRF chegou a fazer acordo com a ESPM para preencher gaps de conhecimento.

Como a BRF, que se coloca como companhia de alimentos que não levantará bandeiras específicas, mas quer ter opções a todos com a melhor oferta em qualidade e custo-benefício, a Seara tem essa visão resumida por Tannia Fukuda Bruno, diretora de marketing: “Quem prevalece é o consumidor, qualquer que seja o desejo dele. Por isso, investimos em múltiplas frentes, saudabilidade era uma delas”.

Marcelo Suárez, da BRF: companhia quer triplicar de tamanho em dez anos (Crédito: Arthur Nobre)

Ela destaca ações recentes, como o ingresso na categoria de pescados; a venda de frangos orgânico e da granja (criado solto) e lançamento de linhas como Levíssimo e Nature. Mas a indulgência não foi esquecida, especialmente na linha Seara Gourmet, que acaba de lançar um hambúrguer com queijo crispy. Os lançamentos têm sido divididos entre os que fazem parte do cotidiano e edições sazonais.

Sobre saudabilidade/indulgência, Tannia acredita num “overlap de tendências”, pois a pessoa saudável pode querer “uma compensação” também. “O que as pessoas querem é variação e quebrar a rotina da alimentação, que na pandemia cansou também. Por isso, praticidade é importante”, pontua. Para Tannia, apostas em transformação digital feitas há três anos, com a criação do laboratório QLab e capacitar pessoas num time que pudesse coletar em tempo real tudo que estava ocorrendo no ecossistema digital, ajudaram a transformar dados em inteligência para o negócio.

Em 2020, também foi criado o lojaseara. com.br, marketplace que reúne os varejos, em todo o País, próximos do consumidor para abastecê-lo em sua compra online de produtos da marca. Esta tem sido uma das grandes frentes de investimento de Seara, segunda marca que mais se destacou no meio digital, no BrandFootPrint, da Kantar, no 2º semestre de 2020 (atrás apenas da Ypê). Outra iniciativa é um site B2B e, agora, o Comer Bem. Ainda em teste, é um projeto de dark kitchen, em São Paulo, em que o cliente compra uma receita pronta feita com itens Seara. Rio de Janeiro e uma cidade do Nordeste (não divulgada) serão os próximos alvos para a experiência.

A Seara, garante Tannia Fukuda, fez a opção estratégica de estar na vanguarda da inovação e está aberta a todo tipo de estudo, proteicos e não proteicos, o que levou à primeira linha plant based do Brasil. A parte desafiadora é quando trazer novos itens e muito ajuste ao paladar do consumidor.

Inteligência artificial

Na NotCo, esse ajuste é feito por Giuseppe, inteligência artificial que tem em seu banco de dados cerca de 10 mil espécies vegetais comestíveis, das 35 mil existentes no mundo e das quais a dieta brasileira inclui apenas 200 verduras e cereais. É essa IA que analisa a estrutura molecular de alimentos proteicos para chegar à melhor e mais fiel versão vegetal deles, segundo Simone Murata, que está assumindo este mês a posição de diretora global de marketing da companhia.

Presente nos EUA, Argentina, Brasil e Chile, a NotCo tinha em cada país uma estrutura de marketing que cuida de pipeline de inovação, lançamentos e crescimento de branding — que fazia as campanhas de comunicação do dia a dia com a house NotAgency e as mais abrangentes com parceiros; no Brasil, Mutato e Gut, por exemplo. A estrutura global começou a ser montada, há dois meses, após a empresa ter recebido aporte de US$ 235 milhões liderado pela Tiger Global e ter se tornado um unicórnio de US$ 1,5 bilhão que já começou expansão para Canadá, México Colômbia, Peru e Paraguai.

A partir de agora, o marketing global dará direcionamentos e posicionamentos, liderar campanhas comuns e evoluir parcerias estratégicas e brand experience. Simone explica que “challenger brands” como a NotCo se valem muito das parcerias para crescer. Os parceiros usam seu diferencial de foodtech, arrojada e provocativa e a Notco, ganha ao se associar a marcas que tenham mais awareness. Assim, a empresa explora duas avenidas de parcerias, uma ligada a branding e o propósito de “reinventar toda indústria de alimentos”, em que tudo que envolve planta é importante; e a das empresas ligadas à sustentabilidade, pois a proposta do negócio, por uma questão ambiental é não usar nada animal. “O maior dano ambiental ao planeta hoje é ligado à criação de animais”, pontua Simone. O insight é: o animal come ração e nós o comemos, usando o solo duas vezes, para produzir ração e para criar o animal; se tirá-lo da equação, salva toda a cadeia do meio. “Por isso, produtos Notco consomem de 85% a 95% menos água, CO2 e energia. Então marcas que falem em sustentabilidade, desafiem o status quo são importantes para nos associar”, diz. Também lança mão das parcerias para gerar experimentação. O Rebel Whopper, do BK, no Chile, é com hambúrguer da marca. Danny Meyer, à frente da rede Shake Shak e investidor da NotCo, deve ser outra ponte relevante no futuro.

Simone Murata, que está assumindo a função de diretora global de marketing da NotCo (Crédito: Divulgação/ Leo Orestes)

Os produtos de base vegetal não estão na rotina dos brasileiros, mas estes são abertos a experimentar e veem “saudabilidade”, como um equilíbrio entre o prazer e a indulgência e o comer bem, com verduras, legumes, menos sódio. “Fazemos o high-low”, diz Simone. Por isso, a visão de futuro e crescimento da NotCo é “uma mordida de cada vez”, ou seja, não menosprezar o sensorial e a memória afetiva das pessoas, mas propor um pouco de mudança. Anima a empresa o dado do Good Food Institut de que 50% dos brasileiros já se consideram flexitarianos e vêm diminuindo a carne na dieta.

Na distribuição, a marca acredita no mix físico e digital. O last mile, em serviços como Rappi, visa a velocidade; o e-commerce NotCo é um laboratório de testes de comunicação, produto e promoção. E as parcerias têm avançado em marketplaces como Amazon e Mercado Livre, considerados “um caminho gigante para expandir geografias”.

Sendo foodtech, a tecnologia na NotCo vai do produto (Giuseppe mais inteligente melhora inovação e velocidade de lançamentos), passa pela distribuição, e chega ao marketing. Para lançar o NotMilkinho, por exemplo, foram testados três conceitos, o que no online permite rapidamente reconhecer o mais efetivo e descartar os demais.

Velocidade e praticidade

Durante a pandemia, o delivery de alimentos e bebidas brilhou. Ainda assim, Jason Oh, diretor de novos negócios do iFood, destaca que as pessoas se alimentam cerca de 90 vezes por mês e, hoje, o delivery está presente em menos de 5% desse total. E o segmento prevê a possibilidade de que possa representar até mais de 50%, dada a tendência de uma comida “mais barata, mais saudável e prática”, argumenta.

O executivo pondera que embora o iFood tenha chegado a 60 milhões de pedidos por mês, há players na China que fazem 30 milhões por dia. Mesmo descontadas as diferenças de população, é um volume imenso. E se com isso a China é benchmark, o iFood também aparece como referência a americanos e europeus em questões como melhoria de NPS, uso de bikes elétricas, e o iFood Decola – cursos de curta duração para entregadores e restaurantes.

iFood: novos serviços, como o de fintech, e ampliação de presença para 3.000 cidades em todo o País (Crédito: Divulgação/Rodrigo Braga)

Os hábitos dos clientes acompanhados pelo app, guiam a customização da oferta e orientam as parcerias com restaurantes. Para o futuro, a companhia tem explorado, além do core, as compras de “mercado” e não apenas as grandes do mês, mas as urgências, como o carvão esquecido num churrasco, e serviços de fintech, oferecendo conta digital para restaurantes, crédito (que na pandemia foi essencial) e o iFood benefício, ticket alimentação digital. Também tem buscado uma expansão para cidades com menos de 200 mil habitantes; hoje, o serviço está em pouco mais de 1.000 cidades, mas já em 2022 quer ampliar a 3.000. “Aqui no iFood temos muito de uma cultura ambidestra. Um lado muito mais aberto à inovação, testar coisas novas, estar sempre pensando em transformações, porém, o lado também de garantir a excelência operacional, que no final é o business”, resume Jason Oh.

Dos pratos aos copos

Segundo a Euromonitor, de 2015 a 2020, houve uma retração de 0,5% no consumo em volume de bebidas alcoólicas no Brasil. Apesar disso, o total de vendas cresceu 4,1% em 2020, atingindo 14,4 bilhões de litros, maior alta desde 2014. E a previsão para 2025 é de alta de 12,7%.

Os dados revelam que o setor tem grande expectativa de crescimento, algo que já vem aparecendo nos resultados da Diageo, uma das maiores fabricantes de bebidas destiladas do mundo, proprietária de marcas como Johnnie Walker, Smirnoff, Tanqueray e Ypióca. De 1º de julho de 2020 a 30 de junho de 2021, as vendas líquidas aumentaram 30% na América Latina e Caribe (LAC). No Brasil, a empresa cresceu 62%, superando níveis pré-pandêmicos.

Bebidas não-alcoólicas tiveram retração de 10,4% no consumo em volume, de 2015 a 2020. Entretanto, a expectativa é alta de 8,4% até 2025. No primeiro trimestre, a Ambev, que atua nas duas pontas, registrou lucro líquido de R$ 2,73 bilhões, alta de 125,7% sobre os três primeiros meses de 2020, período pré-pandemia. Em agosto deste ano, a companhia anunciou a criaçaõ da Future Beverages, unidade de negócios de bebidas alcoólicas diferentes de cerveja. A nova área já tem oito produtos (as bebidas mistas Beats e Isla, a hard seltzer Mike’s, e os vinhos Dante Robino, Somm e Blasfemia), e será comandada por Daniela Cachich, que responderá diretamente ao CEO, Jean Jereissati. Segundo a companhia, o intuito é imprimir um ritmo de inovação e criação de novas categorias, além de conquistar novos consumidores.

Tendências

A inovação em bebidas também é influenciada por tendências impulsionadas na pandemia. “Uma das mais importantes do momento é a saudabilidade”, destaca Felipe Cerchiari, diretor de inovação da Ambev. Nessa linha, a companhia lançou a Michelob Ultra, cerveja com baixo teor calórico e carboidratos, Stella Artois sem glúten, Guaraná Antarctica Natu, com ingredientes 100% naturais, e a For/me, linha de shots funcionais, sem conservantes, sem adição de açúcar e com doses diárias de vitaminas.

O Grupo Heineken também tem investido em soluções mais saudáveis. “Vamos apostar em produtos que têm baixo teor de açúcar, saudáveis e de certa forma estejam em linha com essa tendência de saudabilidade que vemos para o futuro”, revela o diretor do grupo no Brasil, Eduardo Picarelli. A companhia anunciou redução de açúcar significativa em todos os seus produtos e relançou o refrigerante FYs que tem 50% menos açúcar que um comum. “Temos focado muito em não ser mais uma empresa só de cerveja e ser uma empresa genuinamente de bebidas”, reforça.

A Danone também entende que saúde tornou-se ainda mais relevante, pois o consumidor está mais preocupado e consciente de que a alimentação é um pilar fundamental. “O consumidor vem lendo mais o rótulo, buscando entender ingredientes. Existe uma busca por ingredientes mais natu-rais, alimentos e bebidas de base vegetal”, relata Marina Fernie, vice-presidente de marketing da companhia. Patricia Cardoso, diretora de marketing da Pernod Ricard no Brasil, concorda e entende que é preciso linkar essa tendência do consumidor de buscar saber a origem dos produtos com o que a marca pode oferecer em termos de personalidade e atitude.

Conectada à saudabilidade está outra tendência, a sustentabilidade. “Não só a origem e a forma de produção dos alimentos se torna relevante, mas também os resíduos desse consumo”, enfatiza Marina, da Danone, que neste ano foi certificada como B-Corp, selo que identifica empresas que geram impacto socioambiental positivo por seu modelo de negócios. A Bonafont, marca de água mineral da empresa, lançou no fim de 2020 seu compromisso para ser sustentável até 2025, baseado em: recolher e reciclar 100% do volume de plástico que põe no mercado; reduzir o uso de plásticos virgens nos produtos, alcançando 50% de PET reciclado pós-consumo em suas garrafas até 2025 e 100% até 2030; e incentivar o uso da Bonafont Re.torna, linha retornável de galões.

Neste sentido, a Diageo também lançou, em julho do ano passado, uma garrafa 100% livre de plástico, feita à base de papel. A embalagem foi fruto de uma parceria entre a empresa e a Pilot Lite, para lançar a Pulpex Limited, companhia de tecnologia de embalagens sustentáveis. Em 2012, a Ambev desenvolveu uma PET 100% reciclada que já é utilizada em 61% das garrafas de Guaraná Antárctica e 37% da produção total de garrafas já leva material reciclado. Ano passado, a companhia anunciou que pretende acabar com a poluição plástica de suas embalagens até 2025. O Grupo Heineken também anunciou que até 2025 pretende, do ponto de vista das PETs, eliminar em pelo menos 70% o volume de plástico e ter 100% do volume de plástico que vai remanescer reciclado. “Tem sido uma pauta importantíssima da companhia acelerar isso”, afirma Eduardo Picarelli.

Outra grande tendência do setor é a premiunização. Segundo Picarelli, o mercado brasileiro de cerveja está atingindo maturidade, visto que em 2010, 99% do mercado era voltado às Pilsen, cerveja mais leve e refrescante. “Mas isso tem diminuído. O brasileiro tem diversificado o paladar. O segmento premium tem crescido, com isso tem crescido a diferenciação do produto por sabor, por nível alcoólico, por tipo de líquido”, explica.

Essa premiunização está também no interesse dos brasileiros em preparar seus próprios drinks em casa, movimento que impulsionado pelo fechamento de bares e restaurantes no isolamento social ocasionado pela pandemia. “Tivemos um crescimento da procura por assuntos ligados à coquetelaria, como fazer drinks fáceis em casa”, revela a diretora de marketing da Pernod Ricard no Brasil, Patricia Cardoso. Aproveitando o novo comportamento, a companhia lançou ano passado o reality show de coquetelaria “Bar Aberto”, que tangibilizou duas outras tendências observadas, o hometainment, entretenimento dentro de casa, com a plataforma de drinkability, as pessoas buscando realmente experienciar mais coisas dentro de bebidas.

Reality show da Pernod Ricard explorou a tendência do hometainment

Vinculada a elas vem o e-commerce, também foi muito alavancado pela pandemia. De acordo com Patricia, o e-commerce trouxe o first-party data. “Ter nossa própria base de dados como fonte de insights é super rico e temos extraído isso muito a nosso favor, tanto para eficiência de mídia, mas principalmente para entender esse consumidor profundamente e responder melhor a ele”. “Por mais que a transformação digital tenha sido abrupta, ela tem sido muito boa para a empresa, porque talvez demorássemos muito mais tempo para fazer aquilo que realmente precisávamos”, comenta o diretor de marketing do Grupo Heineken, sem revelar números de crescimento do e-commerce.

Colaboração

Para tornar todas essas iniciativas e a transformação digital viáveis e concretas, as empresas de bebidas passaram a adotar ferramentas como big data, advanced analytics, machine learning, realidade virtual e inteligência artificial. Apesar disso, Felipe Cerchiari, diretor de inovação da Ambev, entende que a transformação não se limita a investir em softwares e plataformas digitais, mas é incorporada na forma de fazer negócio. “Remodelamos a estrutura dos times de inovação, adotamos o formato de squad e ganhamos agilidade para criar projetos, trocar com as diversas áreas da Ambev, e principalmente diminuir o tempo de feedback entre nossas hipóteses e as respostas dos consumidores. Hoje, inovação e tecnologia permeiam todas as áreas da companhia”, ressalta.

Além de criar times voltados à inovação, parte dela na Ambev também vem do relacionamento com seu ecossistema de startups, como o Programa Além, que tem o objetivo de potencializar uma gama de startups brasileiras. “A Ambev quer crescer junto com as startups e isso só se torna possível trabalhando de forma cada vez mais colaborativa”, afirma o diretor. Isso também é realidade na Danone. “Temos promovido o intraempreendedorismo dos colaboradores e a inovação por meio de programas como Caçadores do Futuro, Mentoring Day, Call for Ideas, Danfreela, Innohub, etc., e nos associado a diversas startups e universidades, o que vem transformando nossa forma de trabalho para sermos mais ágeis”, explica Marina Fernie, reforçando que uma abordagem de complementaridade de visões.

A Pernod também tem esse pensamento colaborativo quando se trata de transformação digital. Dentro da companhia há uma área chamada Brand Factory, incubadora de marcas e de negócios. “Basicamente usamos esse ecossistema de parceiros externos, trabalhamos 100% com empreendedores, com startups, buscando acelerar as tendências de consumo que estão vindo de fora e que começamos a usar aqui no Brasil”, comenta Patricia Cardoso, diretora de marketing da empresa no País.

Café digno do maior produtor mundial

Com a Coffee++, Leonardo Montesanto, tem o propósito de oferecer um café de alta qualidade (Crédito: Divulgação / Florence Ziad)

Não seria exagero dizer que o café corre tanto nas veias de Leonardo Montesanto quanto sangue. Seu avô, que era produtor desde os anos 1950, assumiu em 1984 a massa falida da 3 Corações e a revitalizou, até vendê-la nos anos 2000, mas a família ainda atua em toda a cadeia cafeeira: produção, logística, armazenagem, exportação e importação.

Terceira geração no negócio e atento a movimentos como o desejo por produtos de alta qualidade, Leonardo, no entanto, tinha um ponto de crítica: o fato de o Brasil exportar todo o bom café e deixar ao brasileiros, literalmente, a sobra daquilo que o mercado externo não aceitava. E como era responsável pelo processo de produção nas fazendas e sabia das semelhanças do universo dos cafés especiais com o mundo dos vinhos, em questões como variedade, terroir, processo de póscolheita, decidiu em 2015 plantar 30 variedades, entre as quais se destacou na primeira safra, em 2018, a Gueixa (descoberta em 1931 num vilarejo de mesmo nome, na Etiópia). No mesmo ano, foi eleito o melhor café do Brasil e, no seguinte, o que obteve melhor pontuação na versão global do Cup of Excellence, realizado no Texas.

Ao participar, em seguida, da outra grande feira do setor, em Berlim. Foi abordado por um casal búlgaro, que queria ter o seu café. Dois meses depois, ao receber mensagem com a foto que tirou com esse casal, sendo usada na publicidade da cafeteria deles, resolveu pedir demissão das fazendas da família para fundar a Coffee ++, que tem por propósito “fazer o brasileiro beber o café que ele merece”, ou seja, democratizar o consumo de café especial. “Meu pai me chamou de louco, disse que eu estava largando o emprego que eu mais amava, e era verdade”, lembra Leonardo. Hoje, além da fazenda Primavera, da família, são fornecedores outros grandes produtores: Luiz Paulo Dias Pereira Filho e Gabriel Nunes, produtores, respectivamente, das regiões Mantiqueira de Minas e Cerrado Mineiro. Assim, a empresa tem crescido também explorando uma tendência maior entre os consumidores que é a rastreabilidade: saber a origem de um produto, suas certificações etc. Por enquanto, a comunicação, que tem apoio da agência New 360, de Belo Horizonte, tem se concentrado no digital e com um time de 25 a 30 influenciadores e embaixadores como Silvia Braz.

Nascida como um e-commerce direct-to-consumer, a Coffe++, que em seu primeiro ano deve faturar R$ 20 milhões, agora tem sido procurada por varejos físicos (supermercados, empórios e padarias). Leonardo Montesanto prevê crescimento nas duas frentes, ainda mais considerando que se trata de uma marca jovem, o fato de que os cafés especiais nem sempre são conhecidos mesmo por consumidores que têm poder aquisitivo e que “paladar não retrocede”.

Ilustração topo: Beast1/Shutterstock

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