Empreendedores da própria vida

Claudia Costin, Professora e diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ)

Roseani Rocha

Numa sociedade em ritmo acelerado de transformação e com o movimento já em curso de extinção de milhares de postos de trabalho tais como os conhecemos hoje, preparar uma criança para o futuro ou ser um trabalhador e manter-se atualizado frente a essa nova realidade é algo que terá impactos profundos nos sistemas educacionais. Professora e diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e membro do Instituto de Aprendizagem ao Longo da Vida, da Unesco, Claudia Costin faz um balanço da educação brasileira e das principais tendências que segundo ela obrigarão especialmente as novas gerações de estudantes a serem empreendedoras de suas próprias vidas, algo que também exigirá dos sistemas educacionais — públicos e particulares — o desenvolvimento de muitas novas competências.

Meio & Mensagem — Como você, que tem a experiência de professora e a visão de gestora pública, avalia o cenário da educação (pública e privada) hoje no Brasil?

Claudia Costin — Na educação básica, vivíamos um processo lento de esforço para assegurar acesso e aprendizagem. Quando finalmente no início do século 21 pudemos ter todas as crianças e adolescentes no ensino fundamental, e um número crescente no médio, veio o desafio da qualidade. Dados do Ideb, índice que mede a qualidade da educação, mostravam que desde 2005 só melhorava o fundamental, e, em 2019, enfim, melhoramos também no ensino médio. Mas são avanços lentos e não como gostaríamos para a 12ª economia. Por outro lado, certa visão de que a educação brasileira é uma tragédia não procede. Se olhar assim, há um risco de jogar a criança fora com a água do banho, porque em algumas coisas estamos na direção correta. Uma delas é um Currículo Nacional, traduzido em currículos estaduais e municipais. Aí vem a pandemia. O que ela faz é iluminar uma crise de aprendizagem, em que estamos avançando lentamente, e a desigualdade educacional, porque o Brasil ainda tem uma conectividade limitada e isso entra na agenda das transformações futuras que teremos em educação. As perdas de aprendizagem, principalmente entre alunos vulneráveis, que não tinham nem conectividade, nem livros e os pais estavam na rua buscando renda para alimentar a família foram grandes. Mas crises são também oportunidades de aprendizado e quebra de paradigmas. E aprendemos, no fechamento das escolas, que conectividade é muito importante.

M&M — Quais as principais tendências para o segmento?

Claudia — O uso mais inteligente das plataformas digitais já desde a educação básica. Houve um aprender fazendo dos professores, mas agora com mais intencionalidade e estrutura. O mercado de livros didáticos está transferindo todas as obras para plataformas digitais. Além disso, fui da comissão global da Organização Internacional do Trabalho, sobre a 4ª Revolução Industrial. Olhei transformações necessárias na educação para preparar à extinção massiva de postos de trabalho e tanto no básico quanto no ensino superior são muito claras: resolução colaborativa de problemas com criatividade, porque robôs não têm criatividade, e não sabem colaborar em problemas complexos; o ensino híbrido, em que o professor fará curadoria de recursos digitais, usando em sala o melhor do seu potencial, que é ensinar a pensar, pois também o pensamento autônomo não é algo que robôs ou a IA têm bem desenvolvidos; o aprendizado profundo, com pensamento crítico, assim como desenvolver competências socioemocionais, importantes nesse mundo novo que obrigará o aluno a constantemente se reinventar profissionalmente. Teremos que avançar muito mais o sistema educacional e no empreendimento da própria vida. Após uma formação básica, o aluno voltará à universidade para cursos mais curtos. E com certeza terá que aprender a “dialogar” com as máquinas — programar alguma coisa, aprender um pouco de linguagem de máquina, para ser mais autônomo.

M&M — Como isso tudo afetará a estrutura das escolas, seu marketing e a concorrência?

Claudia — Essa ênfase atual no vestibular não é que vá desaparecer completamente, o Enem e os vestibulares ainda vão ter um certo papel, mas vai se usar mais tempo do processo de ensino para ensinar o aluno a processar o pensamento. Não será mais uma escola com o turno da manhã e o da tarde. O ensino médio e mesmo o fundamental 2 vão migrar para tempo integral ou algo parecido com Europa e EUA, que têm sete horas de aula. Muitas escolas particulares estão oferecendo turno único. E uma coisa certa no marketing dos grupos educacionais é o bilinguismo, ligado à agilidade cultural. A globalização vem avançando e cada vez mais alunos brasileiros vão estudar fora no ensino superior, para ter duplo diploma. Então, as escolas bilingues ganham prestígio e essa tendência de se apresentar como bilingue será importante no marketing delas.

M&M — Fala-se muito sobre a influência da tecnologia na escola do futuro. O que é mais interessante, já sendo utilizado ou que ganhará espaço?

Claudia — Uma questão é cada vez menos “o laboratório de informática” e mais o computador como recurso dentro da sala de aula, em atividades que demandam o equipamento do aluno e o do professor. Outra coisa são os espaços maker para a prototipação de soluções. O que falei sobre resoluções colaborativas com criatividade como tendência importante vem sendo desenvolvido em espaços maker. Os alunos prototipam soluções ou trabalham com a robótica, que já se disseminou muito no Brasil em escolas particulares e públicas. Já a realidade aumentada permite experiências sensoriais que podem ficar gravadas na memória das crianças. E haverá laboratórios de química e física digitais, porque têm menos risco do manuseio de produtos que podem ser nocivos e permitem uma experimentação interessante. Uma tendência que dialoga com isso é que com a base nacional curricular de ensino médio, terá um investimento grande em profissionalização dos jovens. No estado de São Paulo, o primeiro implementando o novo currículo com os itinerários formativos, duas tendências se comunicam: uma é que estão surgindo muitas instituições oferecendo ensino técnico na rede estadual paulista; e mesmo nos itinerários formativos mais ligados à escola regular, como matemática e suas tecnologias, começam aparecer aulas de programação, como qualificação profissional. O aluno tem não um curso inteiro, mas uma eletiva de programação, que o gabarita a atender uma demanda importante do mercado. Por exemplo, programação em java, faltam profissionais. Mas já estão oferecendo esse tipo de formação. Isso será forte nos próximos anos. E algumas instituições particulares estão indo pelo mesmo caminho.

M&M — Muitos alunos das faculdades privadas populares vêm da rede pública. Uma vez que os alunos da escola pública têm sido mais prejudicados na pandemia isso pode se tornar, no futuro, um problema para as instituições particulares? Ou estas tenderão a capitalizar em cima dessas deficiências?

Claudia — Acho que vai se tornar um problema. Precisam existir universidades ou instituições de ensino superior que atendam o adulto que trabalha. Há uma tendência crescente nessa direção. Não só aquele jovem que vai querer uma vida universitária, participar das atividades culturais, ter um convívio grande. Tem muito adulto que faz curso à noite, e isso é uma tendência positiva. Não vejo com maus olhos o fato de existirem faculdades voltadas a esse segmento que quer continuar seus estudos. E para esse novo tempo que estamos vivendo isso ganha um papel ainda mais importante de acordo com pesquisas. Mas será um problema para elas sim porque esse jovem virá muito menos preparado. E vai ter menos chance de entrar numa universidade que tem um acesso mais competitivo.

 

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