Desde a década de 1970, a Globo lidera a audiência de TV aberta no Brasil, com uma combinação de jornalismo, esportes, dramaturgia e variedades para entreter o espectador. As intensas transformações na forma pela qual as pessoas buscam e consomem conteúdo, no entanto, fazem com que o primeiro lugar esteja longe de uma posição confortável. Com a proposta de se moldar ao que o público espera de um hub de conteúdo no futuro, a empresa se estrutura para ser uma media tech, onde as decisões são tomadas ancoradas em dados. Peça fundamental dessa estratégia, Erick Brêtas, diretor de produtos e serviços digitais da Globo, reassumiu há um ano a liderança do Globoplay, serviço de streaming que ajudou a criar – e que carrega a missão de representar o futuro da companhia como um ecossistema de entretenimento multiplataforma.
Meio & Mensagem — Com mais de cinco décadas de existência, a TV Globo, naturalmente, já teve de passar por diversas transformações. Quais são os maiores desafios de acompanhar tantas mudanças no consumo de meios?
Erick Brêtas — O maior desafio da Globo é manter-se relevante em meio a tantas — e cada vez mais — opções disponíveis no mercado. E nós acreditamos que isso só é possível graças ao profundo conhecimento do consumidor, um conhecimento que vem sendo adquirido e aprimorado através do relacionamento contínuo, da escuta, da troca, do entendimento sobre seus hábitos, desejos, expectativas, valores e crenças. Os meios não determinam o comportamento de consumo, mas acreditamos no valor da combinação entre o melhor conteúdo e a conveniência para que o consumidor defina o quê, como, onde e quando ele quer consumir.
M&M — Há mais de um ano a Globo começou a frisar que pretende se tornar uma empresa de media tech. Na prática, o que isso significa?
Brêtas — Significa que a tecnologia estará intrínseca a tudo o que a gente faz, seja no conteúdo, na publicidade, no relacionamento com o consumidor. Estamos olhando para novos serviços digitais, para publicidade direcionada, para novas parcerias, para o grande ativo que representam os dados que temos. Temos feito importantes avanços nessa direção, como as soluções de publicidade desenvolvidas a partir de algoritmos de inteligência artificial para ampliar a eficiência das campanhas, a criação de produtos inovadores com integração da primeira com a segunda tela, o desenvolvimento de ferramentas e serviços para o desenvolvimento de todo o ecossistema da publicidade, entre outros. Na frente Direct to Consumer, usamos as mesmas soluções de engenharia de dados de algumas das empresas mais avançadas do mundo e alcançamos um alto nível de sofisticação nas informações sobre nossos assinantes.
M&M — O streaming foi uma das transformações mais impactantes na relação das pessoas com o consumo de vídeo. Para a uma empresa de TV, como foi o processo de atuar sob uma nova lógica de consumo de conteúdo sob demanda?
Brêtas — Foi um processo gradual, que começou há muitos anos, com as primeiras ofertas de vídeo sob demanda. Muito antes do lançamento do Globoplay, a Globo já tinha uma plataforma de consumo de vídeos — o Globo Media Center, lançado em 2003, e fez suas primeiras experiências na oferta de vídeos na internet em 1998, durante a Copa do Mundo. É claro que de lá pra cá muita coisa mudou, novas plataformas surgiram, as ofertas foram ampliadas e a dinâmica de mercado também mudou completamente a relação do público com o consumo. Mas nós abraçamos esta nova realidade com entusiasmo por entender também que esta é uma oportunidade para ampliar nossos canais de distribuição e reforçar os laços entre o nosso conteúdo e o público.
M&M — A maior oferta de serviços de streaming e canais, deu às pessoas a possibilidade de conhecerem diferentes tipos de formatos. Como essa amplitude de repertório muda os gostos e anseios do público? E como a Globo acompanha essas mudanças?
Brêtas — A Globo tem acompanhado todas as evoluções que surgiram ao longo dos anos, seja no que diz respeito a novos formatos, como também a canais de distribuição. Aliás, a inovação em linguagens, conteúdos, formatos e narrativas sempre foi um diferencial da empresa. O BBB é um bom exemplo. Chegamos à vigésima edição esse ano batendo todos os recordes, com várias soluções inovadoras, de conteúdo e comerciais. Pautamos nossa atuação na busca permanente pela inovação, seja ela qual for — no formato, na linguagem, em todas as nossas entregas. E temos outros tantos exemplos também na dramaturgia, no jornalismo, no esporte e em todas as plataformas. Veja o exemplo da supersérie Verdades Secretas — um dos grandes sucessos da Globo na década de 2010. No ano que vem teremos uma nova temporada dela, mas dessa vez com primeira janela no Globoplay.
“O futuro do entretenimento está intimamente ligado ao bom uso dos dados. Processamos gigantescos volumes de dados em nossas plataformas digitais, que são cruzados de maneiras cada vez mais originais, gerando insights determinantes em decisões sobre conteúdo, programação e distribuição”
M&M — Que papel terão os dados na definição do conteúdo e da programação?
Brêtas — Entendemos que o futuro do entretenimento está intimamente ligado ao bom uso de dados. Todas as decisões estratégicas da companhia são tomadas a partir de dados, de indicadores e de métricas. Historicamente, a Globo sempre foi reconhecida como uma das empresas brasileiras que melhor soube usar o instrumento das pesquisas de mercado — por exemplo, para definir o destino de personagens de suas novelas. A diferença é que hoje há muito mais variedade de instrumentos de medição do comportamento do consumidor. Processamos gigantescos volumes de dados em nossas plataformas digitais, que são cruzados de maneiras cada vez mais originais, gerando insights determinantes em decisões sobre conteúdo, programação e distribuição.
M&M — Quais critérios a Globo acredita que as pessoas levarão em consideração para definir o que irão assistir, entre tantas opções de conteúdo?
Brêtas — Acreditamos numa combinação entre qualidade, conveniência e identificação com a nossa própria cultura, com a brasilidade. Os conteúdos nacionais têm grande comunicação com o público, que tem uma relação muito particular com nossos talentos e com as histórias que contamos. Nossa dramaturgia compete de igual para igual com a das melhores empresas de mídia do mundo; nosso jornalismo é referência em qualidade e equilíbrio; nosso portfólio de eventos esportivos é o melhor do Brasil; nossos canais de TV por assinatura têm ofertas para todos os segmentos e lideram o ranking da TV paga; e o Globoplay agrega grandes produções dos Estúdios Globo, do mercado independente e algum dos melhores conteúdos internacionais disponíveis no Brasil.
M&M — Como você vê o cenário de consumo de conteúdo nos próximos dez anos?
Brêtas — Há dois aspectos a considerar: a evolução da tecnologia e a organização dos modelos de negócios. Pelo lado da tecnologia, teremos a chamada distribuição Over The Top alcançado uma quase ubiquidade em 10 anos. A tecnologia 5G e a Internet Of Things viabilizarão aplicações muito mais complexas e avanços em VR e AR, por exemplo, que certamente influenciarão a indústria de mídia. Também cremos na evolução do que chamamos de TV híbirida, que permitirá uma transição entre broadcast e broadband de forma muito mais fluida. Do lado dos modelos de negócio, apostamos em uma competição cada vez mais intensa pelo consumidor, que terá mais liberdade e flexibilidade para combinar serviços. Aliás: múltiplos serviços, organizados para uma variedade cada vez maior de gostos e bolsos: streamings generalistas, streamings especializados e canais de TV distribuídos tanto pela infraestrutura das operadoras quanto por OTTs. Acreditamos também que a TV aberta continuará cumprindo seu papel de chegar a milhões de brasileiros, incluindo aqueles nas áreas mais remotas do país.