Inovações à pronta-entrega

Startups aceleram transformação digital do varejo com ferramentas inteligentes que aprimoram gestão das lojas e melhoram a experiência para o consumidor durante a jornada de compra

Por Fábio Vieira

Novos hábitos de consumo com maior integração dos ambientes físico e virtual, aumento das vendas online com consumidores mais conectados e demanda crescente por melhores experiências de compra. Na transformação digital que tem impactado todos os setores da economia de diferentes maneiras, o varejo é um dos destaques no uso de tecnologias e ferramentas inteligentes promovendo uma verdadeira revolução no modo como as empresas se relacionam com seus clientes.

Uma mostra desse movimento está no aumento das compras online. No primeiro trimestre deste ano, o e-commerce no Brasil atingiu faturamento de R$ 39,6 bilhões, com crescimento de 12,6% sobre o mesmo período do ano passado. No total, foram 89,7 milhões de compras realizadas em plataformas digitais, alta de 14%. Os dados são da Neotrust, empresa de inteligência que monitora o e-commerce brasileiro.

Esse novo hábito de consumo tem refletido nas operações das empresas varejistas, conforme mostra a quarta edição do Estudo Transformação Digital no Varejo Brasileiro, divulgada em março pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Em 2020, 69% das companhias investiam em transformação digital, índice que saltou para 90%, no ano passado, e que praticamente se manteve este ano com 87%. O levantamento — que ouviu 30 empresas representantes dos maiores players de varejo do Brasil, em 10 diferentes segmentos do setor — apontou, ainda, que 44% das companhias investiram acima de 1% do faturamento bruto com transformação digital, ante 41% no ano passado.

“Vale destacar uma mudança no comportamento de compra dos consumidores que foi potencializada pela pandemia e que levou a um incremento nas compras online. Isso levou muitas marcas a se digitalizarem, a repensarem seus canais e a buscar soluções mais efetivas e rápidas para o last mile”, avalia Roberto Falcão, professor de Gerenciamento de Marketing e Fundamentos de Marketing no curso de Administração do Ibmec.

O movimento voltado à digitalização das operações com o uso de ferramentas inteligentes no setor tem como protagonistas as retailtechs, que têm mudado a forma como as varejistas se relacionam com os consumidores. Segundo dados do Inside Retailtech Report, realizado pelo Distrito, os investimentos em startups de varejo ultrapassaram os US$ 2,5 bilhões em 2021, volume que representou alta de 263% em relação ao ano anterior. Da integração entre os ambientes físico e online ao uso de tecnologias para elevar a comodidade dos consumidores na hora da compra, as inovações implementadas no setor são diversas e uma mostra desse movimento são as mais de 800 retailtechs mapeadas até o ano passado, segundo o Distrito. Para se ter uma ideia dessa evolução no setor, em 2015 o número de startups no varejo era de 395.

Elevando as vendas

Dentro desse universo de retailtechs está a Neogrid, especializada em soluções voltadas para a gestão da cadeia de suprimentos. As inovações criadas pela empresa visam evitar os prejuízos causados pela falta ou excesso de itens no varejo. “Criamos uma solução para garantir que os produtos estejam na hora certa, na quantidade correta, em toda a rede que nos contrata. Isso garante mais vendas e um aumento substancial na liberação de capital de giro”, aponta Rodrigo Landgraf de Souza Leão, diretor de marketing da Neogrid, ao citar que, em média, mais de 50% de produtos não giram ou giram muito pouco no setor.

Em um aplicativo que pode ser utilizado nos smartphones dos colaboradores, a startup reuniu ferramentas para auxiliar as redes varejistas em diversos desafios. Entre elas estão a Smarket, voltada a uma melhor gestão do processo de promoção onde 68% das ações não trazem resultado, segundo a empresa; o Predify, que usa inteligência artificial para evitar erros de precificação; a Lett, que, segundo a companhia, eleva em 27% as vendas ao qualificar o posicionamento do produto no e-commerce com imagens e descritivos adequados ao ambiente digital; e o Trade Force, que auxilia na gestão de gôndolas a partir de alertas de produtos sem giro.

Essa inteligência voltada à melhor performance dos varejistas é destaque no levantamento realizado pela SBVC. Segundo os executivos ouvidos no estudo, os principais benefícios obtidos com os investimentos em transformação digital foram: o aumento no faturamento, que passou de 74% das citações, em 2021, para 87%, em 2022; e o engajamento do consumidor em vendas digitais, que saltou de 62% para 76% nos últimos dois anos da pesquisa.

Nesse contexto também está o Olist, que inovou com uma plataforma denominada olist store voltada para auxiliar pequenas e médias empresas a elevarem suas vendas a partir de um melhor posicionamento das marcas e produtos nos principais marketplaces. “Com a nossa solução, o produto do pequeno e médio lojista tem alta reputação e está nas primeiras posições, competindo de igual para igual pela atenção do consumidor com grandes players do mercado”, explica Sandra Montes, CMO do Olist.

A partir dessa ferramenta, a empresa expandiu os negócios com aquisições estratégicas que consolidaram sua atuação junto aos lojistas. Uma delas foi a logtech Pax, cuja expertise em logística garantiu agilidade de coleta e entrega de pedidos aos clientes do Olist a partir de hubs distribuídos por todo o País. A startup também reforçou sua atuação com a compra do Tiny, um sistema de gestão que atende de ponta a ponta a operação de vendas dos lojistas.

Foco omnichannel

Devido aos novos hábitos de consumo, onde há uma maior integração de canais dentro da jornada de compra, muitas startups têm inovado com ferramentas que facilitam a relação dos varejistas com seus consumidores em meio a este novo cenário. A própria Olist incluiu entre as aquisições feitas no mercado a plataforma de e-commerce omnichannel Vnda, que abrange a oferta de loja virtual, além de auxiliar na integração das operações físicas e digitais do negócio dos usuários.

 

Mara, influenciadora virtual e modelo da Amaro, tem atraído parcerias com marcas como a L'Oréal

Mara, influenciadora virtual e modelo da Amaro, tem atraído parcerias com marcas como a L’Oréal (crédito: Divulgação)

Dentro desse contexto, a multinacional brasileira VTEX tem inovado no comércio digital a partir da oferta de diferentes plataformas de conteúdo para elevar a experiência dos consumidores. Um exemplo é a venda assistida por WhatsApp, que é utilizada por varejistas como a rede C&A. A ferramenta possibilita o uso de inteligência artificial no atendimento feito por um vendedor virtual em um chatbot.

Para deixar a experiência de compra mais interativa nos ambientes online, a companhia lançou, no ano passado, o Live Shopping, cujas vendas são realizadas a partir de transmissões ao vivo. Desde então, a VTEX assinou contratos com clientes de 140 marcas em 13 países. Entre elas estão empresas do porte de Whirlpool, Sony, L’Oréal e Victoria’s Secret. Apenas no último trimestre, o aumento de eventos na plataforma foi de quase 80%. “Os consumidores estão cada vez mais exigentes e focados em lojas que proporcionam uma experiência de compra única on e off”, diz Erick Buzzi, vice-presidente sênior de vendas, marketing e alianças da VTEX Brasil.

Como reflexo dos impactos da pandemia, 77% das empresas varejistas renovaram suas lojas físicas nos últimos dois anos, segundo o estudo da SBVC. O documento destaca que os estabelecimentos tradicionais de venda de produtos precisam ser revistos para um novo paradigma de varejo, mais focado nos clientes do que nos canais, onde a loja é orientada a dados para oferecer logística, experiência, serviços e relacionamento.

Exemplo dessa tendência é a plataforma de vídeo monitoramento Keepvision, desenvolvida pela empresa Keepconn para transformar a gestão das unidades em data driven. A partir do sistema de câmeras CFTV instaladas nas lojas, dados são baseados em nuvem e geram insights em tempo real para auxiliar os lojistas na tomada de decisão, melhorando a experiência dos consumidores nos estabelecimentos.

Identificação da falta de produtos em gôndolas e vitrines, ocupação e tempo de permanência de clientes nas diferentes áreas da loja, e melhor gestão do ambiente em relação a formação de filas ou ausência de funcionários para atendimento estão entre os benefícios gerados pela inteligência de dados da plataforma, que é ofertada ao mercado em contratos as a service.

Entre os clientes estão as redes de supermercados Carrefour e Nordestão (Rio Grande do Norte). “O Keepvision apoia a tomada de decisão com base em dados e amplia o conhecimento dos varejistas, melhorando, assim, a experiência dos clientes em lojas, supermercados e shoppings”, afirma Marcos Suzuki, COO da Keepconn.

Mão de obra conectada

A transformação digital no varejo promovida pelas retailtechs não fica restritas às plataformas digitais. Na atuação do Oto, que usa tecnologia para levar estratégias de CRM para a loja física, a inovação passa pelos vendedores.

 

Sandra Montes, CMO do Olist e Guilherme Bohnen, diretor executivo do Oto CRM (crédito: Divulgação/Sergio Zacchi)

No caso, a solução integra dados online e off-line de clientes como vendas, comportamento, navegação e interações para entregar diariamente aos funcionários insights que personalizarão o contato para as vendas. Dessa forma, a abordagem passa a ocorrer no momento certo, oferecendo as melhores ofertas de acordo com a demanda da pessoa em iniciativa alinhada à estratégia da marca.

“Nada adianta o consumidor ser tratado de uma forma super personalizada pelos canais digitais sendo que quando ele chega à loja física a linha de raciocínio não é a mesma, a experiência não é completa”, afirma Guilherme Bohnen, diretor executivo do Oto CRM. “Ajudamos as empresas de varejo a aproveitarem todo o potencial humano que já existe dentro da loja, no caso, o vendedor, para transformar a ociosidade dele em novas oportunidades”, diz o executivo.

No caso do GetNinjas, a mão de obra está na ponta dos serviços que podem ser contratados pelas empresas de maneira online e off-line. A partir de parcerias realizadas com grandes marcas do varejo, como Grupo Pão de Açúcar, Multicoisas, Rappi, Casa & Vinho e Grupo Saint-Gobain, a startup dá a possibilidade de essas empresas oferecerem mais de 500 tipos de serviços integrados à jornada de compra de seus clientes.

“Nesse âmbito de parcerias, conseguimos promover uma inovação no mercado varejista sendo um parceiro estratégico de negócios”, aponta Sandya Coelho, diretora de comunicação e novos negócios do GetNinjas. “Como somos um aplicativo para a contratação de serviços, oferecemos soluções para grandes empresas como uma oportunidade para tornar possível a experiência de contratar profissionais tanto no ambiente físico quanto digital”, afirma.

Inovação passo a passo

Apesar da expansão dos negócios disruptivos e do importante papel dentro do processo de transformação digital do varejo, as retailtechs enfrentam como principais desafios a capacitação das pessoas em relação ao uso de tecnologias e uma maior aceitação de empresas em adotar ferramentas digitais em suas atuações. Tanto que no estudo da SBVC, 41% dos executivos apontaram que mudar a cultura organizacional é a principal dificuldade no processo de transformação digital.

 

Soluções da startup Neogrid para gestão da cadeia de suprimentos visam evitar prejuízos

Soluções da startup Neogrid para gestão da cadeia de suprimentos visam evitar prejuízos (crédito: Reprodução)

“Para algumas empresas, ainda há o desafio de entender essas novas funcionalidades e investir na tecnologia necessária para sua adoção, mas a demanda crescente por parte do cliente final e o rápido desenvolvimento e transformação do e-commerce nos últimos anos têm impulsionado esse processo”, aponta o executivo da VTEX Brasil, em avaliação que é compartilhada pela CMO do Olist. “Um dos principais desafios é trazer lojistas mais off-line para o mundo online, quebrar paradigmas e mostrar que a digitalização não precisa ser muito complexa”, avalia Sandra.

Já para as startups Neogrid e Oto, o desafio está no maior conhecimento e integração dos funcionários aos novos modelos de atuação. “Hoje, são mais de 12 mil vendedores usando o Oto, temos potencial para fazer muito mais do que isso, mas precisamos ajudá-los a se digitalizar”, afirma Bohnen.

 

VTEX Day foca conteúdo e relacionamento para aprimorar comércio digital

VTEX Day foca conteúdo e relacionamento para aprimorar comércio digital (crédito: Reprodução)

Na visão do diretor de marketing da Neogrid, os funcionários precisam estar capacitados para a evolução da empresa. “As pessoas que fazem parte do processo disruptivo precisarão de muita informação, treinamento e dados para dar a segurança necessária para que a solução seja implementada, gerida e continuada, trazendo resultado real para quem contratou”, aponta Landgraf.

Apesar dos desafios enfrentados, não há dúvidas em relação ao protagonismo das retailtechs na transformação do setor. Tanto que, até março de 2023, fazer parcerias com startups é prioridade para 41% dos executivos das grandes varejistas, segundo dados da SBVC.

Inovação está na moda

Ter acesso a roupas e acessórios das principais marcas globais sem sair de casa e com a comodidade de receber com agilidade e trocar o produto de maneira fácil quando precisar. As retailtechs de moda — também chamadas de fashiontechs — tiveram um papel importante para a transformação do varejo, principalmente na atração de novos consumidores online em uma época bem anterior à expansão das plataformas digitais dos últimos anos.

Segundo dados do Distrito, a categoria ocupa a oitava posição em número de startups no varejo com uma participação de 4,1% — o segmento é liderado pelas retailtechs de e-commerce, com 30,47% de market share.

Há onze anos no mercado, a Dafiti conta atualmente com mais de sete milhões de clientes ativos, sendo considerada a maior fashiontech da América Latina. Um dos diferenciais da empresa é a oferta de marcas do porte de Armani Exchange, GAP, Banana Republic e Forever21 na plataforma.

“A Dafiti é uma empresa que já nasceu digital. Para nós, inovação é algo que faz parte do nosso DNA”, diz Aline Mori, CMO da Dafiti, destacando a capilaridade e as soluções logísticas como diferenciais da plataforma. “Ser um e-commerce imprime cada vez mais velocidade em tudo o que fazemos, entregando, além do produto em si, uma experiência que inspira nossos clientes”, afirma.

Com 500 marcas parceiras incluídas nos últimos dois anos, o portfólio também é um dos diferenciais da Amaro, que após se consolidar nas plataformas online (aplicativo e site), expandiu sua atuação com a inauguração de lojas físicas denominadas Guide Shops. A iniciativa visa ampliar os pontos de conexão com os clientes servindo como hubs para entregas mais ágeis e facilitando as devoluções.

“Essa estratégia deu resultados. Apesar da pandemia, conseguimos crescer 50% em 2021 já com o fluxo das Guide Shops atingindo nossa projeção de 30% de participação no varejo físico”, aponta Denise Door, diretora de marketing da Amaro, citando aumento das vendas online nas cidades onde as lojas físicas foram implementadas — foram sete unidades inauguradas este ano.

 

Retailtechs por categoria

Fonte: Distrito

 

Fonte: Distrito

 

Evolução de investimento e número de deals por ano

Fonte: Distrito

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