Instruções para a vida

Uso de inteligência artificial e outras tecnologias para um processo mais interativo e ensino híbrido alinhado às demandas do futuro do trabalho impulsionam as edtechs

O setor de educação já desbravava a trilha da inovação e das soluções tecnológicas no período pré-pandemia. Além de tornar as aulas mais dinâmicas e interativas, a adoção da tecnologia auxilia o desenvolvimento do processo pedagógico identificando lacunas de aprendizagem e planejando intervenções individualizadas do ensino. A crescente demanda pelo desenvolvimento de competências e habilidades num mercado de trabalho com altos níveis de digitalização somada à aceleração da educação a distância durante a pandemia ampliou o terreno para a expansão das edtechs.

O número de empresas que adotam a tecnologia para criar soluções inovadoras para a área de educação cresceu 26% durante a pandemia de Covid-19 no Brasil. Há pelo menos 566 edtechs ativas no mercado de educação do País, segundo levantamento realizado pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) e pela Associação Brasileira de Startups do Brasil (Abstartup), que considera dados coletados entre 2019 e 2021.

E os investimentos nestas companhias também estão crescendo. As edtechs receberam aporte de US$ 553,6 milhões no Brasil em 2021, de acordo com levantamento da plataforma de inovação Distrito. No total, as startups brasileiras receberam investimento de US$ 9,8 bilhões no período. Antes disso, de 2010 a 2020, foram realizadas pouco mais de 130 rodadas de investimento, totalizando um volume de investimento de US$ 175,5 milhões em edtechs no País, segundo o Distrito Edtech Report.

 

Fonte: Distrito Dataminer

 

A população está vivendo em sua rotina as mudanças que a pandemia intensificou não só nas salas de aula e na forma de aprender, como também na de se relacionar com as pessoas, e isso impactou diretamente o crescimento do mercado de edtechs no Brasil e no mundo, indica Fernanda Verdolin, CEO e founder da Workalove, plataforma de trabalhabilidade e carreiras para a mobilidade social de estudantes. Criada em setembro de 2017, a startup já atraiu mais de 10 mil empresas que usam suas tecnologias para encontrar os melhores talentos para suas vagas.

“A educação 4.0 prevê uma série de mudanças estruturais, muitas delas em andamento pelas tendências que envolvem o uso de inteligência artificial para um aprendizado mais personalizado, o uso de realidade aumentada para um processo educacional mais interativo, uma educação baseada em projetos para que os alunos aprendam as habilidades práticas e alinhadas às demandas reais do mercado de trabalho, um ensino híbrido que converse mais com as habilidades do futuro do que com a formação tradicional baseada somente em diretrizes curriculares”, analisa.

 

* exclui private equity e séries desconhecidas
Fonte: Distrito Dataminer

 

A mudança cultural é o principal desafio para a atuação das empresas do setor, segundo Camila Karino, CEO da Geekie, plataforma de educação baseada em dados que já foi utilizada por 12 milhões de estudantes no Brasil. “O desafio é as famílias entenderem que o digital pode ser um forte aliado para um processo pedagógico mais eficiente, que é importante trabalhar a educação digital e o desenvolvimento de competências e habilidades. Enquanto o foco estiver no passar conteúdo, continuaremos com os mesmos índices de ineficiência”, projeta Camila.

A Geekie possui mais de 300 funcionários e atende mais de 400 escolas no Brasil. “Nosso foco é tornar a aprendizagem visível e, hoje, conseguimos passar em tempo real para a escola dados de acompanhamento do aprendizado do aluno, como: atividades enviadas, desempenho, tempo de estudo, o que viabiliza um olhar para cada estudante e planos de ação individualizados”.

Educação a distância

Um dos princípios básicos para a evolução pessoal e profissional, a educação precisa sempre estar em transformação e uma das principais mudanças no mercado é o desenvolvimento do ensino a distância (EAD). Em 2020, pela primeira vez na história, graduações à distância tiveram mais alunos novos do que os cursos presenciais, de acordo com o Censo de Educação Superior, divulgado em fevereiro deste ano pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Dos mais de 3,7 milhões calouros no ensino superior em 2020, 53,4% optaram pela modalidade à distância, enquanto 46,6% escolheram cursos presenciais (que só adotaram atividades remotas de forma provisória, por causa da pandemia). De 2019 a 2020, na transição de anos letivos marcada pelo início da pandemia, o número de ingressantes na EAD cresceu 26,2%. Além disso, nos últimos 10 anos, o índice de novos alunos de EAD aumentou 428,2%. Nas graduações presenciais, houve queda de 13,9% no mesmo período. Para André Tanesi, CEO da Descola, escola de cursos online, com o início da pandemia as pessoas se viram fechadas em suas casas e a única oportunidade de realizar treinamentos era no modelo online.

 

Fonte: Distrito Dataminer

 

“Isso nos ajudou a entrar em diversos clientes que antes ficavam reticentes com a efetividade ou mesmo engajamento de cursos online e descobriram que com nossa solução é possível ter um curso realmente bom. Nesse sentido, as edtechs ajudam principalmente a agregar novos conteúdos e mostrar que precisamos aprender constantemente de uma maneira diferente, que todo conteúdo adquirido pode ser utilizado”, conta.

A Descola possui 135 cursos que são disponibilizados tanto para pessoas físicas que desejam se capacitar, quanto para grandes organizações. São mais de 200 mil alunos em todos os estados brasileiros. Na área corporativa, atende desde grandes empresas que já possuem suas plataformas de treinamento e uma área de educação corporativa estruturada até pequenas e médias empresas que usam a plataforma da Descola para capacitar seus colaboradores. São mais de 70 grandes empresas trabalhando nesse modelo de licenciamento do conteúdo para suas plataformas e, em média, mais de 100 pequenas e médias que usam a plataforma da startup para capacitar seus colaboradores todos os anos.

“Não apenas em nossa área de atuação de cursos comportamentais, desde cursos preparatórios para vestibular como a Descomplica, até possibilidades de novos idiomas, como a Duolingo, mudaram o paradigma de aprendizado online. Quando falamos de ensino a distância, acredito que nossa solução conseguiu levar conteúdo de qualidade para pessoas que antes precisavam vir ao eixo São Paulo–Rio de Janeiro para conseguir ver palestras e cursos de grandes profissionais”, diz André.

 

Plataforma da Geekie já foi utilizada por mais de 12 milhões de estudantes (crédito: Divulgação/Renato Stockler)

 

Gamefication

A Niduu foi fundada em 2017 pelos coCEOs Júnior Mateus e Rômulo Martins. Enquanto Mateus havia decidido trabalhar no negócio da família, Rômulo tinha se formado em programação, com doutorado em gamificação, e construído uma carreira voltada para startups e pesquisas acadêmicas, com foco em educação a distância. Quando se reencontraram, surgiu a ideia de unir as experiências e conhecimentos para criar uma solução que ajudasse as empresas a treinar milhares de colaboradores simultaneamente. Assim surgiu um aplicativo de educação corporativa para dispositivos móveis, que transmitia os treinamentos de forma gamificada.

“A Niduu utiliza micro lições e gamificação para ajudar as empresas a educarem profissionais de todas as camadas das empresas, desde a operação até a alta liderança, sem perder o engajamento ao longo dos treinamentos; e a fazer a gestão dos treinamentos, tendo acesso aos dados de engajamento dos colaboradores para acompanhar o aprendizado. Um ponto forte que identificamos é que o setor ainda tem muitas oportunidades de crescimento e inovação.

Existe a necessidade de o aprendizado ser mais dinâmico para o aprendiz, e isso gera outra necessidade que é a de metodologias inovadoras aplicadas às tecnologias de capacitação de pessoas. Relacionando isso ao gargalo da educação brasileira, as plataformas de educação não apenas facilitam o acesso à capacitação, como simplificam a jornada de aprendizado, o que permite que pessoas dos mais variados perfis consigam aprender, desde uma pessoa com um nível de formação básico até uma pessoa altamente instruída”, conta Rômulo Martins.

Os treinamentos da Niduu, comprada pela Gupy em 2021, são para profissionais de todas as camadas da empresa, desde a operação até a alta liderança, mas grande parte dos clientes utilizam a ferramenta para treinar profissionais de cargos de operação, porque são áreas que geram um grande volume de contratações e precisam de mais agilidade nos treinamentos técnicos. São cursos divididos em lições de curta duração seguidas de atividades em formato de jogos que ajudam a pessoa treinada a avançar rapidamente na jornada de aprendizagem ao mesmo tempo que se mantém entretida. De acordo com dados da empresa, mais de 500 mil pessoas já foram capacitadas por meio da plataforma e mais de 300 empresas (como Suvinil, Hyundai e Unilever) foram treinadas, com média de 80% de engajamento das pessoas colaboradoras ao longo dos treinamentos.

 

Gravação de conteúdo da Descola: mais de 200 mil alunos e 135 cursos (crédito: divulgação)

 

Aprendizado contínuo

Num cenário de avanço tecnológico acelerado e transformações constantes nas demandas e necessidades do mercado, o conceito de lifelong learning — que se caracteriza pelo desenvolvimento contínuo de conhecimentos e habilidades que as pessoas experimentam após a educação formal e ao longo de suas vidas — norteia o contexto de expansão do setor de educação, em especial das edtechs.

“O mercado educacional deve evoluir bastante. Está cada vez mais evidente que as pessoas não estudarão apenas na educação formal e seguir uma trajetória de escola, faculdade, trabalho. Esse ciclo precisa se repetir. Hoje, a maioria das pessoas já entendeu o significado de aprendizado ao longo da vida, ou lifelong learning. Para se manter competitivo no mercado de trabalho é fundamental que as pessoas sigam aprendendo”, opina André Tanesi, CEO da Descola.

Nesse sentido, segundo o executivo, as companhias passaram a ter um papel de protagonismo e serão empresas escolas, que formarão e atualizarão seus colaboradores de acordo com as suas competências técnicas e muito sobre habilidades comportamentais. “As empresas no médio e longo prazo serão consideradas grandes universidades, pois junto com instituições de ensino e empresas como a Descola criarão programas de desenvolvimento contínuos para melhorar seus processos e formar profissionais cada vez mais capacitados”, projeta.

“A inovação na educação também exigirá uma proximidade maior da academia com o mercado de trabalho já que as novas exigências do mercado não estão refletidas nos currículos pedagógicos tradicionais e a nova dinâmica do mundo do trabalho exige a capacidade de aprender constantemente, o lifelong learning”, complementa Fernanda Verdolin, CEO e founder da Workalove Edtech.

 

Fernanda Verdolin, CEO e founder da Workalove: educação 4.0 prevê mudanças estruturais (crédito: divulgação)

 

O desenvolvimento da força de trabalho é um dos grandes temas da atualidade, e pessoas e organizações estão preocupadas em como desenvolver novas competências e habilidades para o mercado. Entre tecnologias que mudam mais rapidamente e clientes que esperam sempre mais, as empresas têm que se aperfeiçoar constantemente para atender às necessidades dos clientes. Isso significa que nada permanece o mesmo por muito tempo e dessa forma os colaboradores também não deveriam permanecer. Para as pessoas, permanecer relevante significa aprender constantemente novas ferramentas, entender as diversidades do ambiente corporativo e estar sempre antenado em habilidades como pensamento crítico, como ser um líder ou liderado melhor e como juntar essas habilidades com sua capacidade técnica.

“As empresas já entenderam que não basta contratar profissionais capacitados para executar suas funções, é preciso mantê-los engajados e com novas capacidades que surgem todos os dias para realizar suas tarefas. Isso ocorre principalmente pois os profissionais não são formados em habilidades comportamentais e é comum escutarmos que eles são contratados por suas habilidades técnicas, mas demitidos pela falta de habilidade comportamental. E é nesse ponto que a Descola vem auxiliando empresas a capacitar seus colaboradores em habilidades fundamentais para terem melhores líderes, ter um pensamento crítico e melhorar as conversas interpessoais dentro da empresa”, diz André Tanesi.

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