Tecnologia contra o desperdício
Foodtechs investem em modelos de negócios que combatem a fome e ampliam o acesso a comida de qualidade
Foodtechs investem em modelos de negócios que combatem a fome e ampliam o acesso a comida de qualidade
Por Débora Yuri
Existe um Brasil onde 33 milhões de pessoas passam fome, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, divulgado em junho. Neste País, mais de 61 milhões vivem em situação de insegurança alimentar, apontou a ONU. Os índices vêm piorando ano a ano, mas foodtechs se movimentam para combater essa realidade. Porque, na ponta oposta do problema, um terço dos alimentos produzidos no mundo são desperdiçados, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).
Em 2016, nascia a primeira versão de uma solução para o excedente da indústria ser direcionado à população em situação de vulnerabilidade social. Era um app para facilitar essa conexão, que foi pivotado até virar um software de gestão de doações. A plataforma criada pela Connecting Food, hoje, liga 350 ONGs a 12 grandes varejistas e indústrias de alimentos — GPA, Grupo Assaí, Nestlé, Danone e iFood entre elas. Com operação em 112 cidades de 12 estados, a startup já distribuiu seis mil toneladas de alimentos e quase 11 milhões de refeições.
“Nós nos propomos a mudar a cultura. Mudanças culturais são intrínsecas a negócios de impacto”, diz a fundadora e CEO, Alcione Pereira. “Vivemos uma grande crise humanitária no Brasil e um grande paradoxo. Enquanto pessoas enfrentam a fome, a cultura aqui é da abundância, de adorar uma promoção e comprar mais do que o necessário.” Um único brasileiro desperdiça, em casa, 41 quilos de comida por ano, mostrou estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
O cenário também não estimula o empresariado, Alcione continua. “Quando você doa, paga impostos; quando joga fora, não paga.” Baseada em pesquisas que mapeiam a fome, a Connecting Food empreende agora uma força-tarefa para trabalhar com ONGs que apoiam elos mais frágeis do grupo LGBTQIA+, como os transgêneros.
Na Food to Save, atuar na cadeia de desperdício é o objetivo, mas a foodtech conecta estabelecimentos diretamente ao consumidor final. A operação começou no Instagram e evoluiu para um marketplace em aplicativo: o usuário coloca CEP, verifica quem tem excedentes de produção em tempo real e pode retirar ou receber em casa uma sacola surpresa com até 70% de desconto.
A plataforma tem mil lojas cadastradas, entre restaurantes, pizzarias, padarias, cafeterias e hortifrútis, 325 mil usuários e já chegou a 11 municípios. “Não falta comida no Brasil, falta melhor distribuição. A legislação é outro entrave, mas já existem leis que permitem a doação de alimentos, e é preciso educar o empresariado”, diz Lucas Infante, fundador e CEO.
Membros das classes C e D formam 68% do público. Diante da inflação, da queda na renda dos trabalhadores e do aumento da informalidade, a startup visa agora a expansão para periferias e comunidades.
Um dos propósitos da empresa, conta Lucas, é permitir que o brasileiro coma melhor. “Escutamos até hoje empresário dizendo ‘Prefiro jogar fora’. É um absurdo. E os consumidores falam, em pleno 2022: ‘É melhor sobrar do que faltar’. O Brasil não viveu guerras, não é uma nação que passou fome, isso moldou o perfil de consumo aqui.”
Apelidada de “Uber das marmitas”, a Eats for You nasceu em Cuiabá e opera, atualmente, em sete cidades de São Paulo, Rio, Minas, Mato Grosso e Paraná. A ideia do fundador e CEO, Nelson Andreatta, era conectar quem precisa de renda a quem procura comida caseira, a preço justo. Mais de três mil donos e donas de casa que cozinham estão cadastrados na plataforma, que já ultrapassou R$ 3,7 milhões em renda gerada.
Vislumbrar soluções para problemas graves com a inovação e a tecnologia das startups não é devaneio, afirma Gabriel Brandão, especialista em foodtechs da rede Liga Ventures. “Mas devemos nos lembrar da importância da participação de cada ator da cadeia produtiva nesse caminho”, ressalta. “As startups têm o papel de agentes protagonistas da mudança. Sozinhas, porém, elas não são capazes de resolver todos os desafios.”
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