Tratamento para a saúde
Cristian Rocha, cofundador e CEO da Laura, analisa o setor e as aplicações da Robô Laura, algoritmo de inteligência artificial usado em hospitais, operadoras e secretarias de saúde
Cristian Rocha, cofundador e CEO da Laura, analisa o setor e as aplicações da Robô Laura, algoritmo de inteligência artificial usado em hospitais, operadoras e secretarias de saúde
Por Débora Yuri
Reconhecida internacionalmente, a Robô Laura, algoritmo de inteligência artificial, já é usado por 60 hospitais, operadoras e secretarias de saúde para reduzir o risco de sepse, uma das maiores causas de óbito no mundo. Ao completar seis anos, a startup curitibana foca na expansão de seu portfólio. Nesta entrevista, o cientista da computação e mestre em inteligência artificial Cristian Rocha, cofundador e CEO da Laura, fala sobre o desenvolvimento de tecnologias de ponta para a saúde, os desafios do setor no Brasil, as barreiras que o Sistema Único de Saúde (SUS) impõe à inovação e o papel das healthtechs na transformação do mercado.
Meio & Mensagem — Como a saúde entrou na sua vida de tecnologia?
Cristian Rocha — Sou originalmente da computação, mas sempre quis usar meu conhecimento em tecnologia para ajudar a impactar a vida das pessoas. Fiz mestrado na Universidade de Lyon e, lá na França, trabalhei no Hospital de Estrasburgo, um dos principais de inovação da Europa, onde foi realizada a primeira cirurgia transatlântica do mundo, com um paciente em Estrasburgo e um médico em Atlanta, em 2000. Ali comecei a criar algoritmos de inteligência artificial para automatizar e otimizar fluxos do hospital.
M&M — E a Laura, como surgiu?
Cristian — Quando voltei ao Brasil, conheci a história de um amigo (Jacson Fressatto, cofundador da empresa), que perdeu a filha com 18 meses de vida num hospital de Curitiba. Ela começou a ter uma piora clínica e a equipe assistencial demorou muito tempo para perceber. Quando perceberam, já era tarde demais, estava em choque séptico, e foi a óbito em poucas horas. Meu amigo e eu começamos a pesquisar hospitais do mundo inteiro, para entender se isso foi um acidente, um ponto fora da curva, ou se acontecia com frequência.
M&M — E acontecia com frequência?
Cristian – Sim. Identificamos que mais de oito milhões de pessoas morrem todos os anos por falhas nos sistemas de saúde, segundo a Fundação Bill e Melinda Gates. E isso custa muito caro também: são mais de US$ 250 bilhões jogados no lixo por ano. Resolvemos criar um projeto para ajudar médicos e enfermeiros a identificarem o risco de forma antecipada, porque eles não conseguem enxergar tudo o que está acontecendo, veem filetes de informações. Decidimos criar um sistema baseado em dados e inteligência artificial que pudesse conectar todas as informações e mostrar à equipe assistencial quais eram os pacientes em risco. E demos o nome a esse projeto de Laura, o nome da filha desse amigo que faleceu.
M&M — Até onde a Robô Laura já chegou? Quantas pessoas foram impactadas?
Cristian — Estamos em cerca de 60 instituições de saúde de 15 cidades brasileiras, grande parte hospitais privados e filantrópicos, e operadoras de saúde. Temos dois hospitais públicos como clientes também. E atuamos ainda em dois hospitais públicos no Peru, em Lima. Temos na nossa base mais de 12 milhões de atendimentos médicos, uma das maiores bases de dados clínicos da América Latina. São cerca de quatro milhões de pacientes.
M&M — Estão desenvolvendo novas soluções?
Cristian — Estamos olhando de maneira intensa para o problema principal de hospitais e operadoras, que é a centralização de dados. Em breve, lançaremos uma plataforma que conecta todos esses dados de ponta a ponta, tanto para o hospital, quanto para a operadora de saúde. Haverá interoperabilidade. Esse dado trafegará entre diferentes instituições sem exigir retrabalho. Estamos criando essa plataforma que poderá ser usada de forma longitudinal por todos os players de saúde. Será uma grande inovação, que pretendemos entregar nos próximos meses.
M&M — E a tecnologia Robô Laura, como foi seu desenvolvimento?
Cristian — Num país como o Brasil, muitas vezes é difícil desenvolver tecnologia de ponta. Temos um êxodo muito forte dos nossos grandes cérebros, indo para EUA, Europa, Ásia, Austrália. Fizemos um grande esforço para juntar esses cérebros e construir esses algoritmos. Temos algoritmos estruturados, com publicações científicas. A criação de tecnologia, principalmente tecnologia de ponta, deep tech, é muito complexa, no sentido de como você estrutura, como organiza, como planeja, e ela tem uma validação mais lenta também. E o que estamos fazendo é uma tecnologia de ponta, que está sendo validada, inclusive, por players como Harvard, Johns Hopkins.
M&M — Por que o Brasil ainda não tem um unicórnio da saúde?
Cristian — O Brasil ainda tem poucos unicórnios de maneira geral, se compararmos com EUA, Europa e Ásia, então, é uma questão macroeconômica, em primeiro lugar. Em segundo, a nossa saúde ainda é pouco digitalizada, com sistemas muito nichados, dificuldade de inovação, existe certa resistência. Por conta disso, você cria impasses e desafios para fomentar a inovação, principalmente pelo modelo como o sistema de saúde está organizado. Acredito que teremos um unicórnio da saúde até o ano que vem, mas dependerá muito de como o mercado de venture capital se comportar. Temos alguns players aqui que podem se posicionar em breve como unicórnios, mas para isso eles precisam fazer novas captações.
M&M — A saúde está atrasada em relação a outros setores?
Cristian — É difícil. É um mercado nichado, dependendo do seu modelo de negócio, precisa ter validações científicas. Existe uma barreira de entrada alta. Essa formatação dificulta a chegada de inovações que possam modificar o mercado. Principalmente no sistema público, pelo modelo de contratação que existe hoje. Como comparativo o sistema britânico, o NHS, fomenta a inovação. Várias startups no Reino Unido cresceram no sistema público de saúde. Tem o caso da Babylon, que virou unicórnio principalmente por um grande trabalho que fez no NHS. Tem a Better Care, que está crescendo principalmente no NHS. Hoje, o SUS não tem um olhar para fomentar novos negócios, e o modelo de contratação é muito arcaico. São editais de 100 páginas, muitas vezes pedem comprovação de você já ter cuidado de 100 mil vidas, 200 mil vidas… Isso acaba isolando startups de aplicarem para essas contratações. E aí você acaba premiando dinossauros, que já têm toda a estrutura operacional para aplicar. O sistema acaba beneficiando os mesmos players, ano após ano, porque o modelo de contratação premia isso, premia a não inovação.
M&M — Quais seriam as soluções?
Cristian — A Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) está com um trabalho para empresas que não têm nada ainda, só a ideia, que estão começando agora. Muitas vezes, o empreendedor não tem onde buscar recursos, fundos, crédito para começar um negócio. Você tem que pensar em como se iniciam as inovações, como projetos podem ser submetidos, aplicados e correlacionados aos interesses da saúde pública, e assim o governo facilitar o acesso a esse capital. Outra forma é o SUS ter um hub de contratação de inovações, onde fossem estruturadas as grandes demandas de cada serviço e houvesse um processo de contratação mais assertivo para solucionar essas demandas. Tem tanta demanda e tão pouca inteligência sobre como organizá-la. Para muitas delas, ainda não existe solução. É preciso criar, testar, validar, é um processo de experimentação. E é preciso ainda integrar os dados do sistema público.
M&M — O cenário já é diferente na saúde privada?
Cristian — Existe muita oportunidade no sistema público, porque o mercado público de saúde no Brasil corresponde a 75% da população. Por outro lado, o maior investimento ainda está na saúde suplementar, com algumas inovações acontecendo. Por mais que o sistema ali seja difícil, lento, demorado, você tem um interesse dos players, dos stakeholders de fazer a coisa acontecer.
M&M — Quais foram as maiores transformações que as healthtechs promoveram no mercado?
Cristian — A grande contribuição é em relação a modelos de negócio. Mostrar que eles podem ser mais diversos e custo-efetivos, beneficiando o paciente e o sistema de saúde. O avanço das healthtechs depende muito do que acontecerá no cenário de venture capital, que o pessoal está chamando de “inverno do VC”, mas as heathtechs trazem essa perspectiva de democratizar um pouco mais a saúde, que hoje é muito desigual.
M&M — A startup já recebeu aportes de investidores?
Cristian — Em 2019, captamos um investimento- anjo de R$ 2 milhões. Em 2021, recebemos aporte de R$ 10 milhões. Agora, estamos fazendo uma captação Série A, que pretendemos fechar até o final do ano. Ainda não está fechado, e preferimos comentar os valores só quando estiver certo.
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